Franceses mobilizam-se "porque extrema-direita está à porta do poder"
Emanuel Mayassi votou este domingo nas eleições legislativas francesas. O eleitor franco-angolano exerceu o seu direito de voto na mesa de voto número 49 do 18 bairro de Paris. "Habitualmente, quando esse partido chega próximo do poder, cada vez que obtém um bom resultado, todo o país se mobiliza e constitui o que se chama de frente republicana para travar esse partido", defendeu.
RFI: Era importante votar este domingo?
Emanuel Mayassi: É um dever que tenho enquanto cidadão deste país e sempre votei desde que me tornei cidadão francês. Há uma participação crescente nestas eleições pelo facto de o partido da extrema-direita ser favorável a vencer essas eleições e isso fez com que as pessoas se mobilizassem mais para poderem votar. Os pedidos de procuração, aquelas pessoas que não estão disponíveis para votar, que estão de férias ou que têm viagens programadas, todas essas pessoas antigamente não se importavam, ia embora de férias e não votavam. Desta vez houve mais de dois milhões de pedidos de procuração para poderem votar este domingo. Isso significa que esta é uma eleição muito importante para a França.
Pode explicar-nos como é que funciona o sistema eleitoral francês para as eleições legislativas?
O sistema eleitoral francês é de duas voltas. Quer dizer, vamos à primeira volta e se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta, quer dizer, 50%, mais um voto, ai vamos à segunda volta com os dois candidatos mais votados. Na segunda volta, quem tiver a maioria absoluta é que vence e forma o próximo governo.
Nas últimas eleições legislativas houve oito triangulares na segunda volta, isto é, passarem três candidatos à segunda volta. Há a possibilidade de haver muito mais triangulares este ano?
Sim, sim. Ultimamente a imprensa fala muito disso, que em certas circunscrições haverá muitas triangulares dos três blocos principais. Isso é a democracia e nessa caso onde houver triangulares, os eleitores vão decidir quem é que dos três ficará à frente.
O que é que espera deste escrutínio?
Muita gente está com medo que a extrema-direita chegue ao poder, mas se isto está a acontecer é porque todos os partidos que governaram a França nos últimos anos, digamos nos últimos 30 ou 40 anos, não satisfizeram as necessidades da população e a população está farta, a população está cansada de promessas não cumpridas, da falta de poder, de compra da vida cara. Tudo isso faz com que a população queira colocar no poder um partido que nunca governou, um partido que foi sempre diabolizado e actualmente esse partido fez um trabalho de branqueamento da sua imagem e a população já considera esse partido como sendo um partido normal.
Vamos lá ver o que acontece porque, habitualmente, quando esse partido chega próximo do poder, cada vez que obtém um bom resultado, todo o país se mobiliza e constitui o que se chama de frente republicana para travar esse partido. Dessa vez não está a acontecer, não está a ser o caso. Então vai ser uma surpresa. Estão todos num suspense para saber se esse partido vai vencer ou não porque a esquerda também se uniu de uma maneira incrível. Numa semana, a esquerda, que estava muito dividida, conseguiu unir-se e constituir a nova Frente Popular. As pessoas estão a tentar saber se a extrema-direita vai passar ou é nova frente popular.
Estas eleições acontecem depois de, no dia das eleições europeias a 9 de Junho, Emmanuel Macron ter decidido dissolver a Assembleia Nacional. Conseguiu perceber a decisão do Presidente francês?
Não. Não achei que fosse uma boa decisão. No momento em que França vai organizar os Jogos Olímpicos daqui a um mês, a situação do país é complicada e todos concordam em dizer que a dissolução foi uma boa ideia. Acho que foi uma dissolução estratégica e só ele é que pode explicar a ideia porque não podemos esquecer que a extrema-direita está sempre a progredir, está em ascensão.
O presidente não quer deixar a extrema-direita chegar ao poder em 2027, que é o ano em que haverá as eleições presidenciais, a extrema-direita poderá chegar ao poder à Assembleia e à Presidência da República e dirigir o país durante cinco anos e consolidar-se. Ao Presidente faltam-lhe apenas um pouco menos de três anos e está a dar a oportunidade da extrema-direita para poder chegar ao poder e mostrar a sua incapacidade para depois, em 2027, não vencer as presidenciais. Acho que foi por isso que o Presidente dissolveu ele não era obrigado a dissolver, mas dissolveu no momento em que ninguém esperava.
É inesperado também o resultado deste escrutínio. Como disse há pouco, não se sabe o que vai acontecer. Acha que os resultados desta primeira volta podem já desenhar um figurino do vencedor da segunda volta para a semana?
Tudo é possível e não acho que nessa primeira volta um dos grupos possa ter a maioria absoluta. Esta mobilização de hoje acontece porque a extrema-direita está à porta do poder. Eu acho que não haverá nenhum grupo com a maioria absoluta logo a primeira volta. Se a extrema-direita estiver à frente na primeira-volta, pode não acontecer o mesmo na segunda volta. Não temos a certeza que este partido possa conquistar eleitores indecisos, que certamente podem votar noutros grupos para impedir que a extrema-direita chegue ao poder. É aqui que reside a incerteza de não sabermos quem vai realmente ganhar.