"Uma preocupação" ou "um circuito fechado a partidos políticos": podemos acabar com a corrupção e aumentar a transparência?

Rita Júdice, ministra da Justiça (João Relvas/Lusa)

O Governo quer aperfeiçoar as medidas que visam o combate à corrupção em Portugal antes da apresentação de um novo pacote legislativo anticorrupção. Depois das audições com o PAN, PSD, PS e Chega na sexta-feira, e esta segunda-feira com a Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e CDS, a ministra da Justiça, Rita Júdice, anunciou que há um consenso entre as partes ouvidas: “Necessidade de aumentar a foi uma preocupação constante a todos os partidos”.

Contudo, “em abstrato, quem é que é contra o aumento da transparência?”, começa por questionar o professor e dirigente da Frente Cívica João Paulo Batalha, que refere que as declarações de Rita Júdice carecem de detalhe: “Qual é a corrupção que estamos a tentar atacar?, Em que áreas?, Como? e o que é que falhou nas legislações anteriores?”. Perante as respostas inexistentes, o especialista concluiu que o legislador está a replicar os erros dos passado.

“Estamos a fazer a mesma coisa que fizemos de todas as outras vezes: a procurar consensos sem que se perceba primeiro qual é concretamente o problema. Antes de falarmos de medidas ou resoluções, temos de ser objetivos”, refere o professor João Paulo Batalha.

Pode-se aumentar a transparência no imediato?

A investigadora da Universidade de Lisboa e membro da organização não-governamental Transparência e Integridade, Susana Coroado, confessa que o que “mais a preocupa é tentar-se fazer tudo demasiado depressa (a cada quatro anos)”. Apesar disso, explica que concorda com João Paulo Batalha, defendendo que, no seu entendimento, “faz mais sentido primeiro ouvirem-se os especialistas e só depois desenharem-se as leis”.

A especialista refere ainda que há pelo menos três medidas que poderiam ser adotadas “de imediato” para aumentar a transparência como parece ser desejo de todos os integrantes do Parlamento:

  1. Dar início a partilhar o conteúdo das reuniões entre o Governo e grupos de interesse
  2. Publicar online, no site do Governo, as ofertas que os membros do Governo recebem
  3. Implementar de imediato a pegada legislativa

“Uma pegada legislativa é um registo público e alargado da influência dos lóbis”, como explica define a organização não-governamental Transparência e Integridade ou, como se pode ler no Diário da República, na Resolução do Conselho de Ministros de 3 de novembro de 2021, “o registo obrigatório de qualquer intervenção de entidades externas no processo legislativo, desde a fase de conceção e redação do diploma legal até à sua aprovação final”.

Pacote anticorrupção ou “reforma para inglês ver”: o que se consegue em 60 dias

O objetivo é as novas medidas de combate à corrupção sejam adotadas no prazo de 60 dias, mas esta poderá ser mais uma tentativa condenada à partida, como teoriza João Paulo Batalha, porque este é um processo que “precisa de discussões o mais alargadas possíveis, que comecem na academia e na sociedade civil, e, depois sim, esses resultados devem chegar ao Parlamento”. Caso contrário, garante, esta voltará a ser só mais “uma reforma para inglês ver”.

O especialista em corrupção lembra que, no cenário dos entendidos e a só sociedade só serem notificados das medidas a posteriori, Portugal a discussão sobre corrupção vai continuar a ser um mero “circuito fechado de debates entre partidos políticos” de onde apenas saem “consensos de medidas de encher o olho, mas que acabam por não resolver nada consubstancial”.

“O Problema tem-se manifestado, desde os anos 90, sempre que se tenta legislar esta matéria. Uma encenação de virtude política para tentar servir à opinião pública o dito pacote de medidas, mas sempre sem que elas sejam discutidas com académicos ou com a sociedade civil”, explica João Paulo Batalha.

A ministra da Justiça assegurou ainda que o Governo está “a receber contributos e a seu tempo tomará decisões”. Sem precisar, Rita Júdice esclarece que haverá “contributos escritos de algumas entidades [extra-Parlamento] e vamos reunir com outras” e depois existirá uma nova ronda com os partidos, sendo que a única “linha vermelha é o cumprimento da Constituição”.

“Uma feira de medidas políticas em que cada um traz o que mais interessa ao seu eleitorado”

João Paulo Batalha acredita que há um risco claro de este pacote de combate à corrupção se transformar, mais uma vez, “numa feira de medidas políticas em que cada um traz o que mais interessa ao seu eleitorado”. O professor lembra que, perante os casos que levaram à demissão de António Costa, a queda do Governo Regional de Miguel Albuquerque e quando se analisa a opinião expressa pelos portugueses nas sondagens sobre corrupção: “Se queremos falar de transparência, onde ultimamente tem faltado é na área política”, acrescentando que “as grandes nebulosas se centram, por exemplo, na contratação política, na acumulação de cargos ou no recrutamento público”.

“Cada vez que se apresenta um pacote anticorrupção faz-se porque os anteriores falharam, mas nunca se pensa porque é que falharam. Depois repetem-se modelos que já se mostraram ineficazes e, tudo isto, porque se tenta fazer tudo demasiado depressa”, resume Susana Coroado.

A consultora e investigadora lembra, no entanto, que desta vez há um novo fator em jogo e que pode ter algum impacto no resultado final: “Agora, há um partido populista a cavalgar politicamente à boleia da corrupção”, no entendimento de Susana Coroado, esta novidade pode ser o catalisador necessário para “levar os outros partidos a olharem seriamente para o problema”.

Mas, será  este o pacote legislativo que vai fazer a corrupção cair drasticamente em Portugal? Susana Coroado divide-se na resposta: “O meu lado otimista e de antiga ativista tem a esperança que seja desta vez que tudo corra bem, o outro, o de quem olha para trás e questiona as metodologias, tem algumas dúvidas”.

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