Estaremos, de facto, aptos a prevenir e reprimir os fenómenos de natureza corruptiva, não permitindo que estes desqualifiquem a nossa democracia?
Democracia e o anátema da corrupção
Sabemos que, por justaposição a regimes autocráticos (sempre mais desafiadores para a mobilização social contra a corrupção, e nos quais vivem 68% da população mundial…), as democracias consolidadas tendem a apresentar níveis inferiores de corrupção.
Mas certo é que nem sempre a corrupção percecionada pelos cidadãos, corresponde a cifras, pelo menos aproximadas, do que possa ser a realidade e essa, em Portugal, neste conspecto, está por apurar.
Ainda que possamos considerar, que cinquenta anos depois, Portugal é uma democracia consolidada, estaremos, de facto, aptos a prevenir e reprimir os fenómenos de natureza corruptiva, na sociedade portuguesa, não permitindo que estes desqualifiquem a nossa democracia?
Nas democracias maduras, saudáveis e modernas, o poder conferido pelos cidadãos aos seus governantes é limitado por regras formais, a que estes, voluntariamente, aderem. Poder esse que nos é devolvido, nomeadamente, nos momentos eleitorais. É nesse (atual) contexto, que não nos podemos deixar contaminar por kamikazes políticos, que não hesitam em papaguear tautologicamente oxímoros até à exaustão, e em utilizar a bandeira das perceções que a sociedade tem da corrupção, para salvar Portugal de todos os males.
À medida que os poderes pilares das sociedades democráticas – e.g. executivo, legislativo e judicial – vão sendo estabilizados e as instituições reforçadas, tende a aumentar a perceção que os cidadãos, agora com melhor acesso à informação (e também à desinformação), têm da corrupção. Mas é ainda a antiga noção de separação de poderes, com os seus freios e contrapesos, que assegura eleições livres e justas e controlo judicial, limitativo de práticas desonestas, radicadas no pecado original das ligações entre os setores público e privado. Apesar de, neste capítulo, nem tudo estar feito, como alerta o GRECO. Arrume-se, portanto, primeiro a casa, lidere-se pelo exemplo e respeitem-se os votos de confiança dados pelo povo.
O processo de consolidação de uma democracia é um contínuo frágil. Envolve avanços e perigosos recuos, muitas vezes em blasfematória defesa da sua qualidade. Não é a democracia (ou o grau de desenvolvimento da mesma) a responsável pelos níveis de corrupção que um país apresenta, mas antes, a maturidade das suas instituições, dos diversos atores e dos processos escolhidos de autorregulação. Dito de outro modo: é na interseção da accountability (responsabilização) horizontal – associada à existência de mecanismos formais instalados no e pelo governo, de monitorização da boa governação, e vertical – aquela que os políticos devolvem ciclicamente aos cidadãos, que residirá o esteio proveitoso.
É nesse ponto, a que não pode corresponder um nó górdio, que a nossa responsabilidade existe: a de não desperdiçar a oportunidade que só a democracia nos dá, de não defraudar as nossas próprias expetativas. Amadureçamos a nossa consciência política, mitiguemos a nossa apatia e descrença, recusemos travestidos salvadores da Pátria e valorizemos o duro caminho percorrido por outros, para que hoje aqui estejamos.
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