“Quando a minha bisavó morreu, o senhorio meteu-me fora e eu comecei a viver em casas abandonadas e na rua. Estive assim 12 anos”

Daniel Sousa viveu 12 anos na rua e outros tantos num centro de acolhimento para pessoas em situação de sem-abrigo, em Lisboa. Enfrentou vários problemas, desde insegurança, violência, stress, conflitos e privação de sono. “A situação na rua é muito difícil. Mesmo que não se tenha doença mental, é provável que venham a surgir sintomas de patologia”, explica José Ornelas, da Associação para o Estudo e Integração Psicossocial. Oiça aqui o mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, em que se fala de pobreza, pessoas em situação de sem-abrigo e doença mental

Quando a bisavó morreu, em 1989, Daniel Sousa, que vivia com ela, ficou sem teto. “O senhorio meteu-me fora de casa para a alugar a outras pessoas.” Foi viver para a rua e aí permaneceu durante 12 anos. Entre os inúmeros problemas que enfrentou nesse tempo, destaca a falta de cuidados de saúde e a insegurança. “Havia uns miúdos que me batiam e despejavam-me gasolina em cima.” Integrou depois um dos centros de acolhimento para sem-abrigo que existem em Lisboa, mas a situação não melhorou, pelo contrário.

“quando a minha bisavó morreu, o senhorio meteu-me fora e eu comecei a viver em casas abandonadas e na rua. estive assim 12 anos”

Daniel Sousa viveu 12 anos na rua e outros tantos num centro de acolhimento para pessoas em situação de sem-abrigo, em Lisboa.

Os horários definidos para a entrada e saída no centro não eram compatíveis com os do seu trabalho na área da restauração, que acabou por ter de abandonar. Mas a estrutura de acolhimento era “problemática” também por outras razões: “Muitas das pessoas que lá estavam tinham problemas de droga ou outras dependências e patologias. Às vezes havia discussões, roubos, acordávamos de manhã e alguém tinha mexido no nosso armário, o que me causava muito stress.” As noites eram barulhentas, ou porque “alguém ressonava, ou levantava-se e batia com a porta do armário, ou ouvia música aos berros”. Daniel Sousa não conseguia descansar.

Só há cerca de quatro anos, depois de integrar o projeto Housing First (Casas Primeiro) da AEIPS (Associação para o Estudo e Integração Psicossocial), que proporciona acesso a habitação a pessoas em situação de sem-abrigo e com problemas de saúde mental, é que a sua vida melhorou, como conta em entrevista ao podcast “Que Voz é Esta?”, cujo episódio mais recente é sobre pobreza, pessoas em situação de sem-abrigo e doença mental. “Com todos os problemas de saúde que eu tenho, se ainda estivesse no centro de acolhimento já teria morrido há muito tempo”, diz aos 57 anos.

“quando a minha bisavó morreu, o senhorio meteu-me fora e eu comecei a viver em casas abandonadas e na rua. estive assim 12 anos”

Não existem dados nacionais sobre a prevalência de doença mental na população sem-abrigo. Os vários estudos realizados ao longo das últimas décadas “indicam prevalências díspares”, explica José Ornelas, professor catedrático no ISPA, em Lisboa, onde é diretor do mestrado e do doutoramento em Psicologia Comunitária. Seja como for, estima-se que ronde os 30%. “Viver na rua é muito difícil. Mesmo que não se tenha doença mental, é provável que venham a surgir sintomas de patologia. E se a doença já existia, tornar-se-á possivelmente mais grave.”

“quando a minha bisavó morreu, o senhorio meteu-me fora e eu comecei a viver em casas abandonadas e na rua. estive assim 12 anos”

José Ornelas é fundador da Associação para o Estudo e Integração Psicossocial (AEIPS), que apoia a integração comunitária de pessoas com doença mental.

O mais importante é garantir uma habitação segura, estável e confortável a estas pessoas, diz José Ornelas, fundador da AEIPS, associação que criou, em 2009, o primeiro programa em Portugal de Housing First. O processo de transição para as novas habitações é acompanhado por equipas da associação, que, além disso, também facilitam a integração na comunidade e no mercado de trabalho, bem como o acesso destas pessoas aos cuidados de saúde.

Os resultados, garante José Ornelas, não podiam ser melhores: “90% das pessoas mantêm a sua casa, independentemente do diagnóstico de doença mental grave, e os internamentos são praticamente zero. Também há uma diminuição dos sintomas, o que demonstra que a doença mental tem muito que ver com os contextos.”

“quando a minha bisavó morreu, o senhorio meteu-me fora e eu comecei a viver em casas abandonadas e na rua. estive assim 12 anos”

“Que voz é esta?” é o nome do podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento dão voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, ouvindo igualmente os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, fala-se de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.

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