Martin Sellner (Getty Images)
O portal de investigação alemão Correctiv revelou a 10 de janeiro que, em novembro do ano passado, dezenas de figuras ligadas à extrema-direita reuniram-se num hotel em Potsdam, a cerca de 20 quilómetros de Berlim. O principal organizador foi, segundo o portal, Gernot Morig, envolvido nos meandros do extremismo há décadas, mas o evento foi também financiado por Hans Christian Limmer, empresário de sucesso no ramo da restauração.
Marcaram presença na reunião vários membros do partido Alternativ fur Deutschland (AfD), incluindo a deputada do Bundestag Gerrit Huy e Roland Hartwig, assessor da líder do partido, Alice Weidel, entretanto despedido na sequência da polémica. Entre os presentes estiveram também membros da Werteunion (União dos Valores), a ala mais conservadora da União Democrática Cristã (CDU), o partido da antiga chanceler Angela Merkel.
A grande estrela da conferência deslocou-se da Áustria: Martin Sellner, 35 anos, natural de Viena e com um histórico de associação a movimentos neonazis. Acredita na teoria da substituição racial e que os imigrantes, sobretudo muçulmanos e não europeus no geral, não têm lugar na Alemanha. São essas as ideias que estão na base do seu “Masterplan” para o território germânico, que apresentou nesse dia de novembro em Potsdam.
O plano de Sellner assenta no conceito de “remigração” e tem como alvo três grupos de pessoas: os requerentes de asilo, cidadãos não alemães com autorização de residência e cidadãos alemães “não assimilados”. Os primeiros dois grupos são há muito perseguidos pelas fações mais radicais e a sua expulsão não é percecionada como difícil, mas a intenção de deportar cidadãos nacionais é nova e bastante complexa – tendo a nacionalidade alemã, a expulsão teria de ser baseada em critérios raciais, étnicos ou religiosos.
Markus Sellner (Getty Images)
Sellner, que está proibido de entrar em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, até propõe um destino para estas pessoas expulsas – um “Estado-modelo” no Norte de África capaz de acolher até dois milhões de pessoas, incluindo quem faça campanha a favor dos refugiados e requerentes de asilo.
A reação às revelações do encontro de novembro não se fez sentir só nas ruas. “Vocês são lobos em pele de cordeiro. Mas digo-lhe: a vossa fachada está a começar a desmoronar-se. As pessoas estão finalmente a ver a verdadeira face da AfD”, disse Lars Klingbeil, líder dos sociais-democratas (SPD), a Alice Weidel.
Weidel, por sua vez, numa entrevista ao Financial Times, culpou o portal Correctiv, classificando como “escandalosos” os métodos da organização.
“Foi apenas uma tentativa de criminalizar a própria ideia de repatriar legalmente pessoas que não têm autorização para permanecer no país ou que estão sujeitas a uma ordem de deportação. A AfD é o partido que defende a aplicação das leis deste país”, afirmou.
Ao jornal norte-americano, Weidel, lésbica e numa união de facto com uma mulher natural do Sri Lanka, negou o conceito de expulsões em massa. Para ela, o conceito de “remigração” significa “expulsar pessoas que tenham adquirido ilegalmente a cidadania sob falsos pretextos ou indivíduos com dupla nacionalidade que sejam suspeitos de terrorismo ou criminosos condenados”. A líder da AfD também deixou claro que, quando a invasão russa terminar, os mais de um milhão de refugiados ucranianos atualmente na Alemanha têm de ser repatriados.
O combate entre a AfD e as restantes forças políticas também promete escalar nos tribunais. De acordo com a Der Spiegel, o SPD e os Verdes, dois dos partidos da coligação no poder na Alemanha, estão a ponderar avançar para a justiça para que o financiamento público à AfD seja cortado.
As duas forças políticas olham com grande expectativa para a decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão, que vai ser tomada esta terça-feira, sobre o corte do financiamento estatal ao Partido Nacional Democrático (NPD), assumidamente neonazi e que chegou a eleger um deputado para o Parlamento Europeu em 2014. Caso o tribunal decida pelo corte, o SPD e os Verdes vão ter mais margem de manobra para avançar.
O primeiro-ministro da Baviera e líder da CSU, partido irmão da CDU naquele estado alemão, também aponta que o caminho seguido contra o NPD possa ser adotado contra a AfD, mas mostra-se mais relutante. “Seria um processo longo e envolveria riscos consideráveis”, frisou Markus Soder, citado pela Der Spiegel.
Soder deixou claro, porém, que a AfD é “nada mais que um partido da extrema-direita de Putin” e que o considera “inconstitucional”.
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