Como a análise política focada desmedidamente no componente tático da decisão política fere a democracia e favorece o populismo
Os perigos da análise política monocromática
Não obstante viver fora de Portugal há dez anos, continuo a seguir diariamente a imprensa escrita e televisiva nacional. Durante este período pré e pós-eleitoral foi-me impossível não constatar o preocupante afunilamento da interpretação das decisões políticas, analisadas através de uma redutora lente monocromática que tudo filtra, excepto possíveis motivações tácticas. Neste texto pretendo expor os perigos desta forma de interpretar as opções políticas e as motivações dos políticos que as tomam.
Quase em uníssono, comentadores (e jornalistas-comentadores) afectos às mais distintas ideologias aceitaram participar no jogo da redução da análise política à dimensão do tacticismo que poderá estar por trás de decisões de campanha eleitoral e de governação. Em certa medida, esta simplificação transversal é (mal) mascarada pela discordância avaliativa dos méritos da táctica de cada decisão, segundo a análise de diferentes comentadores. Já a grelha de avaliação parece gerar pouca discórdia.
Não haja dúvidas que a arbitragem política cabe a todos nós cidadãos, mas não se duvide também que esta arbitragem é influenciável por comentadores. Quando se analisa e debate, por exemplo, o tema da governabilidade ad nauseam, com um modelo táctico-centrico, quase cego a tudo o resto, está-se a destituir a política de princípios e convicções, de visão e estratégia. Torna quaisquer decisões neste âmbito meras jogadas numa partida de xadrez em que a vitória não é a melhoria da vida dos cidadãos, mas o sucesso pessoal dos decisores políticos. O jogo pelo jogo. E assim, os princípios que sustentam tais opções têm somente o mérito ou demérito do tacticismo que os possam permear.
Segundo este prisma de análise tudo é feito para o retrato. E como na era moderna o retrato é digital pode ser facilmente repetido ou retocado. Repetido porque se reduzirmos tudo ao tacticismo, pode dar-se o dito por não dito e permutar o discurso político, já que este não teria princípios subjacentes; retocado porque os próprios comentadores e cronistas afectos aos diferentes campos partidários podem sempre vir corrigir a interpretação inicial de outros tais, que não tenham explanado convenientemente a ambição velada de determinada opção política.
Não me interpretem mal; a política sempre teve e terá um componente táctico. É natural e saudável. Pretender destituí-la disso é utópico, naïf e até perigoso para a democracia, particularmente no contexto actual. Porém, resumi-la a tal não é, como se quer vender, ser dotado de uma visão mais realista ou politicamente sofisticada. É ainda mais imprudente que o cenário anterior, por três razões:
Em primeiro lugar, e por culpa deste estreitamento interpretativo do que é a política, fere o regime democrático, ao facilitar a vida a partidos que navegam puramente o mar da demagogia táctica, sem ter de responder a questões de princípios políticos e soluções reais para os cidadãos com quem se fingem preocupar. Ao se sentirem desprendidos da necessidade de consistência ideológica, tais grupos podem reger-se puramente pelos ganhos antecipados da táctica aparentemente mais vantajosa a cada momento, virando 180 graus com o mudar do vento.
Em segundo lugar, leva a uma normalização da tal grelha de avaliação política imposta pela comunicação social e à sua adopção por parte dos cidadãos. Nesse sentido, chega a empurrar actores políticos não populistas a pautar as suas acções primariamente em função da possível interpretação cínica das suas opções.
Em terceiro lugar, desacredita as pessoas que participam activamente na política, simultaneamente desincentivando outras que se sintam compelidas a dedicar esforços a este importante papel da cidadania. Porque se tudo é táctica há uma implicação de aproximação à hipocrisia.
No fundo estes três pontos convergem na degradação da instituição democrática, desequilibrando o próprio debate político a favor de forças populistas, incentivando a matreirice política desmedida como forma de defesa profiláctica perante esta análise despida da complexidade inerente ao tema, e desguarnecendo os potenciais activos políticos do país.
A estratégia é fundamental para a implementação de uma visão e princípios políticos e a táctica deve servir essa estratégia baseada em princípios e valores. A análise à táctica política sempre foi feita e é importante. Porém, a diluição da análise e do comentário político multidimensionais e enriquecedores (que ainda existem, felizmente) num mar de entretenimento disfarçado de informação é preocupante e em certa medida explicativo do recente cenário eleitoral. Neste sentido é essencial uma reflexão, quer por parte da comunicação social, quer por parte dos cidadãos, acerca das diferenças entre interesse público e interesse do público, e a qual dos dois a cobertura mediática e a análise política devem dar primazia.
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