Detidos da Operação Influencer (DR)
Os juizes do Tribunal da Relação que esta quarta-feira anularam as medidas de coação aos arguidos da Operação Influencer admitem a possibilidade de existir um crime de corrupção no que diz respeito à aprovação de leis que serviriam para facilitar o licenciamento e a instalação do Data Center em Sines – um dos três alicerces da investigação que derrubou o último Governo.
No acórdão dos juízes, conhecido esta quarta-feira e que anulou as medidas de coação para todos os arguidos da Operação Influencer, é referido que “as opções políticas e legislativas” que levaram à elaboração da lei que reforma e simplifica os licenciamentos no âmbito do urbanismo “poderão, no limite, configurar crimes de corrupção por terem sido leis à medida das conveniências da Start Campus”.
Em causa estão o Decreto-Lei 80/2023 de 6 de Setembro, a portaria 248/2022 de 29 de Setembro e o Decreto-Lei 11/2023 de 10 de Fevereiro. Leis essas que, afirma o tribunal, não reproduziam as “características de generalidade e abstração que todas as normas jurídicas devem ter como condição da sua existência, validade e eficácia”.
No entanto, recordam os magistrados da Relação, não foi esse o caminho seguido. “Nada foi alegado nesse sentido” quando o MP requereu a realização do primeiro interrogatório judicial após os arguidos terem sido detidos, aponta o acordão.
Os juízes recordam ainda que esta consideração já tinha sido feita na decisão instrutória deste processo, conhecida em novembro do ano passado. Tanto a Relação como o juiz de instrução consideraram a possibilidade de existirem crimes de corrupção relativos a estas “leis à medida”, mas ambos sublinharam que, neste caso, o Ministério Público invocou crimes de prevaricação – que não foram aceites tanto pela Relação como pela Instrução.
Aliás quanto a este ponto, a Relação aponta outras falhas aos procuradores do Ministério Público, nomeadamente sublinhando que No centro de uma dessas estão os rascunhos que foram pedidos por Afonso Salema e Rui Oliveira Neves a advogados da PLMJ. O objetivo era que estes documentos fossem feitos de uma forma que, segundo escutas ao administrador da Start Campus, “que alguém agarre naquilo e, com pouco trabalho, componha uma portaria”.
Na mesma linha, as escutas revelaram também que dia antes de o diploma ser aprovado, o ex-ministro das Infraestruturas João Galamba e João Tiago Silveira – o advogado da Morais Leitão que tinha sido secretário de Estado, estiveram a negociar “os pormenores da nova lei com Rui Oliveira Neves para que a construção do data center da empresa fosse beneficiada pela nova lei, ficando dispensada de um processo de licenciamento urbanístico”. Segundo a investigação do MP, esta lei é mesmo referida por um dos intervenientes como algo “muito malandro”.
De acordo com os juízes da Relação era “imperioso” que através destes rascunhos, “eventualmente complementados com prova testemunhal”, “se pudesse fazer a comparação entre os textos redigidos por encomenda, por assim dizer, e os textos legais”. Nada disso tendo sido feito, sublinha o acórdão, “por falta de tipicidade para preencher o crime de prevaricação, o recurso do Ministério Público também improcede”.
Escutas: “meras interpretações que só vinculam o próprio Ministério Público”
Uma grande parte dos argumentos que constam do acórdão conhecido esta quarta-feira diz respeito à importância que o Ministério Público deu às escutas efetuadas aos arguidos. Segundo o tribunal, estas conversas telefónicas “nada mais demonstram do que a sua própria existência”. “Provam que aquelas frases foram ditas e foram proferidas por aquelas pessoas que surgem identificadas nas transcrições, como sendo os seus interlocutores. Mas não são factos. São meios de prova”.
Assim, continua o coletivo de juízes da Relação, a “sucessão de conclusões ou ilacções que o Ministério Público delas retira, não são nem uma coisa nem outra”. “Conversar com governantes do poder central ou do poder local ou com outros agentes da administração pública sobre interesses próprios não tem, só por si, nada de ilícito ou sequer de irrazoável”, acrescentam.
Para os juízes, as interpretações que o Ministério Público faz das sucessivas conversas telefónicas “que andou a escutar ao longo de anos”, “assentam em meras proclamações, não concretizadas em circunstâncias objectivas de tempo, modo ou lugar que permitam, quanto mais não fosse por presunção judicial, aptos a integrar por um lado, a solicitação ou aceitação de uma vantagem, ou a sua promessa”. “Não ultrapassam o patamar de meras interpretações que só vinculam o próprio Ministério Público”.
Almoços e jantares com Galamba e Escária revelam “necessidade urgente de se assumir que a actividade de lobby existe”
O Tribunal da Relação considera também que os diversos almoços, jantares e outros convívios entre os gerentes da Start Campus e membros do anterior governo, como João Galamba e Duarte Cordeiro “são próprios e adequados” e surgem “no desenvolvimento das relações familiares e de amizade”. “Não são, nem deveriam ser transformados em fóruns de decisão pública, ou instâncias de iter procedimental de atuação de agentes da administração pública e/ou titulares de cargos políticos”.
Ainda assim, consideram os juízes, “o direito penal não julga comportamentos que só ética, social ou politicamente são censuráveis”. Ou seja, “cuja reprovabilidade ainda se circunscreve nos limites das sanções para irregularidades e ilegalidades previstas no direito administrativo”. O que os comportamentos dos arguidos Afonso Salema, Rui Oliveira Neves, Diogo Lacerda Machado, Vítor Escária revelam, segundo o acórdão da Relação, “é a necessidade imperiosa e urgente de se assumir em Portugal, de uma vez por todas, que a atividade de lobby existe e deve ser regulada com regras claras, facilmente apreensíveis por todos”.
“A curiosidade” e o “desacerto de técnica jurídica” sobre a relação entre Costa e Lacerda Machado
Outra das críticas da Relação ao recurso apresentado pelo Ministério Público surge pelo facto de ter apresentado no processo “dois volumes com mais de mil páginas cujo único conteúdo são excertos de jornais e revistas”. Para os juízes, este “curiosidade”, indica um “desacerto de técnica jurídica, que consiste em misturar e confundir factos penalmente relevantes com trabalho jornalístico”.
Este facto, diz o tribunal, é especialmente relevante tendo em conta as provas que existem relativamente à relação de amizade entre Lacerda Machado e o ex-primeiro-ministro. “Mesmo admitindo”, escrevem os juízes, “como facto público e notório, que os dois visados se assumem como os melhores amigos há décadas, a existência desta relação de amizade, não significa necessária e inelutavelmente, como parece ser o entendimento do MP, que a actuação de Diogo Lacerda de Machado como consultor da Start Campus agindo ao abrigo de um contrato em que assume de forma expressa um mandato para representar os interesses desta empresa, (…) quer junto de entidades reguladoras e outros decisores públicos, corresponda a um crime de tráfico de influência”.
Dessa forma, considera o acórdão da Relação, “teria sido necessário” que o Ministério Público tivesse alegado “factos adicionais que permitissem, pelo menos, gerar a dúvida ou a suspeita sobre as reais prestações obrigacionais a que o arguido Diogo Lacerda Machado e a Start Campus reciprocamente se vincularam”. De forma a “darem consistência empírica, sustentada em circunstâncias concretas à proclamação feita que aquele contrato de prestação de serviços teve como único objecto e objectivo, exercer pressão sobre os membros do Governo, titulares de órgãos de autarquias locais e de outras entidades públicas”.
O Tribunal da Relação de Lisboa entende também não existirem indícios de que Diogo Lacerda Sales tenha exercido influência sobre António Costa “relativamente ao caso do Data Center de Sines ou sobre qualquer outro assunto da governação”. Neste acórdão é salientado, por isso, que “o único facto concreto protagonizado pelo Primeiro-Ministro foi ter estado presente num evento de apresentação do projecto” do Data Center em Sines, no dia 23 de Abril de 2021, – “no qual também estiveram presentes, juntamente com o arguido Afonso Salema, o então Secretário de Estado Adjunto e da Energia João Galamba e o então Ministro da Economia Pedro Siza Vieira”.
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