Seca no Algarve: que impacto tem a falta de água no imobiliário?

Há previsão de chuva no Algarve para amanhã, mas esta é quase uma excepção nos últimos tempos. A região sul de Portugal debate-se com um problema de fundo, marcado pelas alterações climáticas e uma nova crise de escassez de água. Em causa está um cenário de seca, o pior de sempre, que está a preocupar o Governo e vários ‘players’ do setor económico. E o imobiliário não é exceção, tal como confirmam os especialistas ao idealista/news. O Algarve – destino de eleição de portugueses e estrangeiros para passar férias, mas também cada vez mais para viver – tem mobilizado o setor da construção e mediação, sendo palco do lançamento de novos empreendimentos ao longo das últimas décadas. Concentrando uma alta procura no segmento residencial (sobretudo a nível de casas de luxo), é atualmente a segunda zona mais cara do país para comprar casa, com um custo de 3.283 euros por metro quadrado (m2), depois da Área Metropolitana de Lisboa, (3.579 euros/m2), de acordo com o índice de preços do idealista de janeiro deste ano.

“Se tivermos de fechar a torneira, todos os setores vão sofrer”, avisou recentemente Frederico Brion Sanches, membro da direção do Conselho Nacional da Indústria de Golfe (CNIG). Um alerta deixado também ao idealista/news: “Se houver mais cortes de água ao setor do golfe (…) a qualidade dos campos vai começar a baixar, logo os clientes vão procurar outros países. Assim Portugal vai ser menos procurado, afetando não só o setor económico do golfe, mas toda a cadeia, a hoteleira, o imobiliário, a restauração, os serviços de transferes e rent-a-car”.

seca no algarve: que impacto tem a falta de água no imobiliário?

Casas em Tavira

Baixo nível da água em Tavira. Getty images

O primeiro mês de 2024 foi, de resto, o mais quente desde que há registos, de acordo com o Serviço de Alterações Climáticas do Programa Copérnico (C3S) da União Europeia. No caso concreto de Portugal continental, registou-se em pleno inverno uma onda de calor em alguns locais do Norte e Centro que foi considerada “a mais significativa observada no mês de janeiro desde 1941”, revelou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

 

  1. Governo atento à situação de seca
  2. “A seca é um desafio, mas também uma oportunidade”
  3. Algarve ainda é um “paraíso para o turismo residencial”
  4. “Em Espanha este problema é mais acentuado”
  5. Algarve mantém-se no radar dos investidores imobiliários

Governo atento à situação de seca

Para tentar dar resposta a este fenómeno – que tem efeitos a vários níveis da sociedade e da economia, afetando a vida da população e os negócios -, o Governo socialista de António Costa, mesmo em gestão, viu-se forçado pela urgência do tema a aprovar, na semana passada, duas resoluções com medidas relacionadas com o combate à seca. Em concreto, o Conselho de Ministros decidiu mobilizar 26,65 milhões de euros para medidas de eficiência e de aumento da disponibilidade de água no Algarve e 200 milhões de euros para medidas de apoio excecional aos agricultores, na reunião da última quinta-feira (8 de fevereiro de 2024).

“Na região do Algarve, os níveis de armazenamento de água nas albufeiras situam-se abaixo dos 50%. A falta de reposição durante os períodos húmidos tem gerado um défice contínuo. Também os níveis de armazenamento das águas subterrâneas encontram-se extremamente baixos, com, aproximadamente, 84% das massas de água subterrânea apresentando volume armazenado abaixo do percentil 20”, lê-se no comunicado do Executivo de maioria absoluta.

A situação atual no Algarve, de acordo com a equipa governativa ainda em funções, obriga à aplicação de medidas e ações extraordinárias que promovam uma maior eficiência, poupança e racionalização das reservas de água (superficiais e subterrâneas). As decisões anunciadas (clicar aqui) têm efeito até 30 de setembro e entram em vigor após a publicação dos respetivos diplomas.

Antes, a Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca já se tinha pronunciado sobre o tema, anunciando (também) medidas que visam enfrentar a situação de seca no Algarve e Alentejo, como por exemplo a redução, em 15%, do consumo urbano na região sul do país face ao ano anterior. Isto no caso do abastecimento público. Relativamente ao abastecimento agrícola, haverá uma redução total de 25% no consumo. Já no setor do turismo foi anunciada a diminuição, em 15%, do consumo nos empreendimentos turísticos e da captação de água subterrânea.

Recorde-se que o Algarve concentra atualmente oito dos 50 municípios mais pesquisados para adquirir habitação em Portugal. Vila Real de Santo António é o mais procurado no distrito de Faro (apesar de aparecer na 24.ª posição no ranking geral do idealista), seguido de Portimão, Silves, Albufeira e Tavira. No fundo da lista (50.º lugar), está mesmo o concelho de Faro, que é o menos pesquisado de todos.

seca no algarve: que impacto tem a falta de água no imobiliário?

Impacto da seca no Algarve no turismo e no setor imobiliário

Getty images

“A seca é um desafio, mas também uma oportunidade”

O idealista/news auscultou vários especialistas para tentar perceber o impacto que a situação de seca tem ou pode ter no turismo, no setor imobiliário e noutras atividades económicas, nomeadamente a nível da captação de investimento, nacional ou estrangeiro.

“Todo o setor turístico regional está consciente da atual situação de seca na região e, embora não tenhamos observado uma diminuição na adesão de turistas e investidores imobiliários – antes pelo contrário, o Algarve registou em 2023 um somatório de recordes no turismo –, estamos atentos aos sinais”, começa por dizer André Gomes, presidente da Região do Turismo do Algarve (RTA).

O mesmo responsável considera que “a sustentabilidade da atividade turística é fundamental para enfrentar este desafio”, estando a ser adotadas “práticas sustentáveis por parte dos empresários da hotelaria, restauração ou golfe, promovendo medidas que conciliem o desenvolvimento económico com a preservação ambiental”.

“Todo o setor turístico regional está consciente da atual situação de seca na região e, embora não tenhamos observado uma diminuição na adesão de turistas e investidores imobiliários – antes pelo contrário, o Algarve registou em 2023 um somatório de recordes no turismo –, estamos atentos aos sinais”

André Gomes, presidente da Região do Turismo do Algarve (RTA)

Para André Gomes, a diversificação das fontes de água e a promoção de tecnologias sustentáveis, bem como a sensibilização dos visitantes para a gestão responsável dos recursos naturais através de campanhas de comunicação para residentes e turistas, são “medidas essenciais para preservar a beleza da região e garantir o futuro do turismo e do imobiliário no Algarve”. “A seca é um desafio, mas também uma oportunidade para o Algarve se tornar um destino turístico ainda mais sustentável e resiliente”, acrescenta.

Algarve ainda é um “paraíso para o turismo residencial”

Quando questionado sobre se na região do Algarve é já sentida uma menor adesão de turistas, nomeadamente dos que chegam ao país atraídos pelo golfe, e de investidores imobiliários, Frederico Brion Sanches responde que não, pelo menos de momento. “Estamos ainda a tempo de mostrar que Portugal, particularmente o Algarve, tem condições para continuar a ser considerado o melhor destino de golfe da Europa e que continua a ser o paraíso para o turismo residencial”. “Mas temos de tomar as medidas certas e passar para o exterior a imagem certa”, avisa.

O membro da direção do CNIG diz não ter dúvidas de que é crucial Portugal e a região sul do país continuarem a ser destinos atrativos para “os investidores/compradores estrangeiros”, sendo necessário, para tal, manter “uma política de estabilidade” e, assim, continuar a “oferecer um produto de qualidade e serviços competentes”.

“Continuamos a ser um país seguro, com baixo índice de criminalidade, estamos longe dos conflitos internacionais, assim sendo não vejo razão para que o setor imobiliário não continue com a procura que tem tido nos últimos tempos”

Frederico Brion Sanches, membro da direção do Conselho Nacional da Indústria de Golfe (CNIG)

“Continuamos a ser um país seguro, com baixo índice de criminalidade, estamos longe dos conflitos internacionais, assim sendo não vejo razão para que o setor imobiliário não continue com a procura que tem tido nos últimos tempos”, antecipa, deixando uma recomendação aos investidores e ao Estado: “Deviam ser mais divulgadas algumas das excelentes práticas de sustentabilidade já usadas em Portugal, nomeadamente nos campos de golfe, onde assistimos constantemente à recuperação de fauna e preservação de ambientes de nidificação. [Devia] haver pela parte dos operadores económicos a preocupação pela introdução do ESG, eventualmente a criação de um selo para quem seguisse as boas práticas de acordo com um critério da avaliação, como foi feito durante a pandemia com o Safe & Clean”.

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Seca no Algarve

Getty images

“Em Espanha este problema é mais acentuado”

Outro dos especialistas ouvidos pelo idealista/news é Rafael Sánchez Gavilán, CEO da Agromaned, uma das empresas que integra o Grupo Maned – tem escritórios em Évora e Madrid (Espanha) –, pioneiro na plantação de casca mole na Península Ibérica. “Operamos nas nossas próprias herdades e nos investidores locais e estrangeiros, tanto em Espanha como em Portugal, sob diferentes tipos de consultoria, confirme as suas diferentes necessidades”, lê-se no site da empresa.

O responsável da Agromaned adianta que as transações que a companhia faz incidem mais na zona do Alentejo e são relativas à compra ou arrendamento de terras para novas plantações ou modelos de negócio.

“O problema de escassez de água tem um impacto grande na situação atual, ainda assim, é melhor pouca água que falta de água. Em Espanha este problema é mais acentuado do que o que se vive cá”

Rafael Sánchez Gavilán, CEO da Agromaned

E será que o facto de o Algarve estar a passar pela pior seca da última década tem ou pode vir a ter impacto no setor imobiliário? “Sim, é um fenómeno que afeta negativamente o setor, tanto a nível de negociações pessoais como empresariais. No ramo empresarial, as procuras em facilidades na aquisição hídrica são decisivas para os projetos de investimento no ramo agrícola”, considera Rafael Sánchez Gavilán.

O gestor adianta que o problema de escassez de água e seca é evidente também em Espanha, sendo inclusive mais grave no país vizinho, havendo por isso investidores espanhóis a vir para Portugal, “um país onde existe facilidade em extensão de negócios, não só pela facilidade geográfica, mas também pelas condições climáticas e disponibilidade de recursos hídricos”. “O problema de escassez de água tem um impacto grande na situação atual, ainda assim, é melhor pouca água que falta de água. Em Espanha este problema é mais acentuado do que o que se vive cá”, revela.

Este cenário, juntamente com os desafios já existentes, como por exemplo as altas taxas de juro, a perda de poder de compra e os vários conflitos armados, pode abalar a confiança e/ou resiliência que tem pautado o setor imobiliário a nível nacional, destaca o CEO da Agromaned. “A incerteza no futuro, o receio de arriscar, é um cenário preocupante em todas as áreas, principalmente no setor imobiliário (no ramo agrícola). Os futuros investimentos deixam de ser rentáveis e plausíveis”, remata.

seca no algarve: que impacto tem a falta de água no imobiliário?

Turismo no Algarve

Foto de Humphrey Muleba na Unsplash

Algarve mantém-se no radar dos investidores imobiliários

Reinaldo Teixeira, CEO da Garvetur, que há 40 anos (desde 1983) atua no mercado turístico (‘holiday rentals’) e da mediação imobiliária, fala num ano de 2024 “desafiante”, mas mostra-se otimista: “O setor de hotelaria e o segmento de turismo residencial mostraram-se resilientes e registaram mesmo o maior crescimento, com um aumento de todos os indicadores, mesmo acima dos registados em 2019”.

Sublinhando que a situação de seca que se vive na região sul do país “é uma questão endémica”, o responsável considera que é importante “criar soluções” que sejam “eficazes a longo prazo”. Reinaldo Teixeira também é da opinião, no entanto, que “o Algarve continua a apresentar uma marca forte a nível nacional e internacional”, mantendo-se no radar dos investidores.

“O Algarve continua a apresentar uma marca forte a nível nacional e internacional. Os empreendimentos turísticos já demonstraram estar comprometidos em reduzir os consumos de água nos próximos tempos, e estão na calha mais medidas definitivas a nível da eficiência hídrica, atualmente a serem orçamentadas”

Reinaldo Teixeira, CEO da Garvetur

“Os empreendimentos turísticos no Algarve já demonstraram estar comprometidos em reduzir os consumos de água nos próximos tempos, e estão na calha mais medidas definitivas a nível da eficiência hídrica, atualmente a serem orçamentadas”, explica.

Quando questionado sobre que soluções podem ser adotadas para minimizar o consumo de água, sem penalizar o desenvolvimento da promoção imobiliária, este player do imobiliário algarvio responde de forma clara: “Entre elas contam-se métodos de reutilização de ‘águas cinzentas’ e criação de novos espaços para retenção de água, nomeadamente barragens”.

Este é, indica Reinaldo Teixeira, “um trabalho que tem de ser continuado, mesmo que haja uma melhoria da situação a longo prazo com a futura dessalinizadora do Algarve ou com a construção da barragem da Foupana, e ainda o adutor de ligação do Rio Guadiana na localidade do Pomarão (Baixo Alentejo) à barragem do Beliche”. Em causa estão obras orçamentadas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ou seja, investimentos a realizar até 2026, conclui.

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