Sugestão do Presidente da República de reparar os custos da escravatura e do colonialismo apanhou Governo de surpresa. Com os Presidentes dos PALOP em Lisboa, fontes oficiais temem ruído na cooperação
Governo acha “tóxica” a sugestão de Marcelo sobre reparação de crimes do colonialismo
“Este assunto é tóxico”. Apanhado de surpresa pelas declarações do Presidente da República sobre como reparar crimes da escravatura e do colonialismo, o Governo de Luis Montenegro tenta esvaziar o assunto e fonte oficial diz ao Expresso que é isso que convém fazer “em respeito pelo 25 de abril”.
“Não podemos deixar perturbar toda a cooperação que temos vindo a fazer com os PALOP”, sublinham fontes governamentais, considerando “inorportuno” o lançamento deste tema precisamente quando os Presidentes dos Países Africamos de Língua Oficial Portuguesa chegam a Lisboa para participarem, esta quinta-feira, nas comemorações dos 50 anos do 25 de abril.
Chegam a convite de Marcelo Rebelo de Sousa e foi o Presidente da República que aproveitou uma conversa com correspondentes de orgãos de comunicação social estrangeiros em Portugal para sugerir que é altura de perguntar como pode Portugal “pagar os custos” da escravatura e do colonialismo.
Não é a primeira vez que Marcelo considera que Portugal, enquanto país durante séculos colonizador, nomeadamente em África, deveria desculpar-se pelos crimes coloniais. Fê-lo em 2023, há precisamente um ano, na Assembleia da República, a propósito da sessão de boas-vindas ao Presidente brasileiro Lula da Silva. Agora, em vésperas de se comemorar novamente o 25 de Abril, retoma o assunto, embora sem concretizar como se faria.
“Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso”, foi a frase que o Presidente deixou no encontro. E que apanhou de surpresa o Governo de Montenegro.
“Nada disto foi articulado nem connosco nem com o anterior Governo”, confirmaram ao Expresso fontes do Executivo. Não sendo o assunto uma novidade – pelo conrário, a embaixada portuguesa nas Nações Unidas tem chamado a atenção para a atualidade crescente do tema, nomeadamente nos EUA – a delicadeza da sua concretização é sublinhada por responsáveis em Lisboa.
Considera-se que a questão da escravatura é um novelo sem fim – “houve escravos vendidos a Portugal que já vinham escravizados por outros povos, onde é que se vai parar?” – e alerta-se para o risco de custos incomportáveis se, como acontece noutros países com passados coloniais, se avançar para indemnizações de milhares de euros para ascendentes de vítimas.
Certo é que na sequência da “importante e contundente” declaração do Presidente, a ministra da Igualdade Racial do Brasil já veio pedir “acções concretas” por parte de Portugal. “Pela primeira vez a gente está fazendo um debate dessa dimensão a nível internacional”, frisou a ministra brasileira, irmã da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, acrescentando ainda que tais declarações são “fruto de séculos de cobrança da população negra”.
A ideia de pagar reparações pela escravidão transatlântica tem ganhado importância em todo o mundo, incluindo esforços para estabelecer um tribunal especial sobre a questão.
O Presidente da República considera que Portugal “assume total responsabilidade” pelos seus erros, erros esses que tiveram “custos” e revisitou no encontro com jornalistas estrangeiros os massacres coloniais, não só os de guerra, mas outros perpetrados durante mais de quatro séculos.
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