A segunda força política nas intenções de voto AfD (partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha) está a provocar sentimentos também eles extremos na sociedade alemã, sendo alvo de contestação sem paralelo nas ruas.
Subida da AfD confronta Alemanha com sombras do passado nazi e fraturas sociais
Seguido há já alguns anos com atenção, e também preocupação face à sua crescente popularidade e implementação – inicialmente no leste, o seu ‘bastião’ original, mas agora em todo o país – o AfD está hoje mais do que nunca em evidência, depois da revelação da realização de uma reunião secreta no passo mês de novembro, com a participação de vários membros do partido e de outras organizações de extrema-direita e neonazis. Nessa reunião foi discutido um plano de deportação em massa, para o norte de África, de milhões de estrangeiros residentes no país, incluindo naturalizados.
Revelada pelo Correctiv, uma organização de jornalismo de investigação sem fins lucrativos, esta reunião secreta, foi celebrada a poucos quilómetros do local onde, em 1942, teve lugar a conferência de Wannsee, onde os nazis discutiram e traçaram a chamada “solução final”, o plano de deportação e assassinato em massa de judeus, o que gerou uma forte indignação no país.
Desde então, centenas de milhares de pessoas têm saído para as ruas em cidades por toda a Alemanha, enfrentando temperaturas negativas, para se manifestarem contra o AfD e a extrema-direita, voltando a discutir-se a questão de uma hipotética proibição do partido, por extremismo.
Contudo, esta matéria é também ela fraturante, pois se muitos (sobretudo os partidos de esquerda) consideram imperativo a proibição do AfD à luz da experiência histórica do país – recordando que, inicialmente, Adolf Hitler ganhou força nas urnas, antes de constituir um Estado totalitário, o III Reich -, outros julgam que tal seria contraproducente, permitindo ao partido de extrema-direita vitimizar-se e reforçar a sua retórica de que os partidos tradicionais pretendem interditá-lo e minar a vontade do povo por não conseguirem batê-lo em eleições.
As opiniões também se dividem na sociedade civil: de acordo com um inquérito da Ipsos realizado há duas semanas, cerca de 42% dos alemães estão a favor da proibição do AfD, mas outros 42% opõem-se.
Este debate assume particular relevância na medida em que se aproximam atos eleitorais importantes: as eleições europeias em junho (nas quais o AfD conta obter o seu melhor resultado de sempre) e três eleições regionais em setembro, todas em Estados no Leste da Alemanha – Turíngia, Brandeburgo e Saxónia, nas quais o partido surge invariavelmente como favorito nas sondagens.
A popularidade crescente do AfD, que ocupa consistentemente há vários meses o segundo lugar nas intenções de voto a nível nacional, agora com cerca de 23%, apenas atrás da CDU e à frente do SPD, tem lugar num contexto de subida generalizada da extrema-direita na União Europeia (UE): um estudo publicado na quarta-feira pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores antecipa uma “viragem acentuada à direita” nas eleições europeias de junho, com partidos populistas e eurocéticos a liderar as intenções de voto em um terço dos Estados-membros do bloco comunitário.
A extrema-direita já está no poder em vários países da UE, quer à cabeça do governo, como é caso de Itália, onde governa uma coligação liderada pelos Irmãos de Itália de Giorgia Meloni, quer como parceiro vital, como sucede na Suécia e na Finlândia, e em novembro passado a Europa foi surpreendida pela vitória de Geert Wilders nos Países Baixos.
Outros partidos europeus de extrema-direita ‘espreitam’ o poder, como é o caso do Partido da Liberdade da Áustria (FPO) – destacado no topo das sondagens com vista às eleições nacionais que se realizam este ano -, dos nacionalistas flamengos do Vlaams Belang na Bélgica (que celebra eleições nacionais em simultâneo com as europeias) e da União Nacional de Marine Le Pen, que ameaça cada vez mais chegar ao Eliseu, sendo já apontada mesmo por muitos como a favorita nas eleições presidenciais francesas de 2027.
No entanto, o AfD é dos fenómenos que mais atenções colhe, dada a sua crescente implementação no país mais poderoso da União Europeia e pelo passado nazi da Alemanha, que fazia com que até há pouco tempo fosse impensável a ascensão e implementação de uma força política do género, por muitos considerado neofascista.
O AfD, já considerado o partido de extrema-direita alemão de maior sucesso desde o partido nazi, foi oficialmente fundado a 6 de fevereiro de 2013, por um professor de economia, Bernd Lucke, pelo jornalista Conrad Adam, e por um antigo membro da CDU, Alexander Gauland, e a sua imagem de marca inicial era a sua oposição às políticas da zona euro, e designadamente ao programa de ajuda externa à Grécia. Mas, sob diferentes lideranças, rapidamente evoluiu para posições mais extremistas noutras matérias.
Na sua criação, o AfD compreendia três movimentos diferentes – os economistas liberais, os conservadores e os populistas mais ‘encostados’ à extrema-direita -, mas desde há muito que os dois primeiros movimentos dissociaram-se do partido, que, entre várias disputas internas e frequentes mudanças de liderança, acentuou o seu cariz nacionalista e extremista.
Atualmente, é coliderado por Tino Chrupalla e Alice Weidel, também os seus líderes parlamentares no Bundestag.
Em março de 2021, o BfV, o serviço de informações internas, classificou o AfD como um “caso suspeito de extremismo de direita”, com ligações a grupos nacionalistas radicais, e, já este ano, catalogou como “extremistas confirmados” tanto a filial do partido no estado da Turíngia como a ala da juventude do AfD, sendo que neste segundo caso a decisão está suspensa devido a um recurso interposto na justiça.
A classificação de membros do partido como extremistas permite colocá-los sob vigilância do Estado, sendo esta a primeira vez desde a era nazi que as autoridades alemãs adotam uma medida deste tipo contra um partido político.
Para as autoridades, é particularmente preocupante a ação dos membros da denominada ala ‘Der Flugel’, uma corrente interna do AfD liderada pelo dirigente político do partido no estado da Turíngia, Bjorn Hocke, e cuja linha é apoiada por entre 30 a 40% dos membros do AfD, de acordo com os serviços de informações.
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