“Era tão óbvio e tão avassalador o talento da Sara que ela conseguiu ser concorrente e, inevitavelmente, ganhar”, recorda agora Catarina Furtado, apresentadora do concurso de talentos da SIC em 1993/94. “Eu não percebo até hoje, e irei partir sem essa resposta, porque é que ela foi tão traída pela vida e pela saúde. Temos obrigação de ouvir a sua música. Ouçam a Sara”, apela
Sara Tavares e Catarina Furtado em “Chuva de Estrelas”, 1994
Catarina Furtado recordou com emoção a cantora e compositora Sara Tavares, falecida no domingo aos 45 anos. No programa “360º” da RTP 3, esta segunda-feira, a apresentadora de televisão desfilou memórias que recuam a 1993, ano em que Sara, então adolescente de 15 anos, participou em “Chuva de Estrelas”, o primeiro concurso de talentos musicais da então jovem estação privada SIC, do qual se sagrou vencedora.
“A Sara, apesar de ser mais nova do que eu, ensinou-me muitas coisas. Éramos muito jovens quando começámos na ‘Chuva de Estrelas’. Tivemos de aldrabar o regulamento do concurso porque ela não tinha idade para concorrer. Mas era tão óbvio e tão avassalador o talento da Sara que conseguimos aldrabar o regulamento e a Sara conseguiu ser concorrente e inevitavelmente ganhar”, revela. “Ela chegou-nos numa cassete. Os colegas da escola secundária fizeram uma vaquinha e gravaram a voz da Sara a imitar a Whitney Houston. Quando ouvimos aquilo dissemos: ‘não vale a pena termos mais concorrentes’.”
“Se tivesse consciência do que é a televisão e esse frou-frou, se calhar a Sara, como eu a conhecia bem, teria recuado. Ainda bem que não o fez. Tinha uma certa ingenuidade, estava do lado de lá do Tejo, em Almada, e não sabia nada disto. Teve de vir [ao concurso] com um vizinho porque não tinha capacidade financeira nem idade para vir. [Sem essa ingenuidade], teria andado para trás: tudo isto era muito contracorrente em relação ao que ela doutrinava. A Sara era genuína, anti-imagem criada, era a honestidade em pessoa, a luz, o brilho e o sorriso. Ainda bem que através do ‘Chuva de Estrelas’ a pudemos conhecer”, continuou Catarina Furtado.
“Ela dizia que eu, de alguma forma, a protegia. Protegia-a porque tinha uma inveja boa dela, dessa capacidade de dizer não, ‘eu não sou essa pessoa’. Já quando imitava a Whitney Houston, já era a Sara”, prosseguiu. “A Sara não foi uma protegida, foi adotada por uma avó, [tinha] a mãe no Algarve, um pai ausente nos Estados Unidos. Não teve o núcleo familiar coeso que nos dá suporte emocional, ferramentas para lidar com os obstáculos da vida. [Mas] eu senti que era ela maior do que todos nós: eu estava a estrear um programa de televisão, a estrear uma estação de televisão privada, todo nós – os câmaras, os assistentes, os realizadores – estávamos no início de tudo e protegíamo-nos uns aos outros. Ela teve essa mais-valia. Depois percebeu que tudo cresce e a humanidade dentro do meio não é tão recorrente, infelizmente, e fugiu. Ela não era bélica, foi fugindo, mas foi-se encontrando na música em que acreditava.”
“Nós últimos tempos, a Sara não conseguia comunicar. Essa incapacidade de fazer aquilo que mais amava – o único sítio onde ela se sentia amada, era no palco – [colocou-a] dentro da sua bolha. Era algodão doce, era metáfora, era beleza, era humanidade mas era também bicho do mato. Poderia ter sido mais reconhecida em Portugal? Sim. No entanto, ela também fugia de todos nós. Teve muitos convites, é preciso dizê-lo, mas ela não queria porque não queria estar onde não estivesse a sentir-se inteira”, considera a autora da letra de ‘Solta-se o Beijo’, da Ala dos Namorados, uma das mais famosas canções a que Sara Tavares emprestou a sua voz.
“A Sara era uma poeta, sem esforço. Tudo o que dizia era poesia. Sem nenhuma arrogância intelectual, as coisas saíam. Via as coisas com outro olhar. Dizia as coisas sem vontade que a aplaudissem, de ser capa de revista ou jornal – estava no seu canto e aquilo saía. É fundamental dizer que a Sara [a seguir às vitórias no “Chuva de Estrelas” e no Festival da Canção 1994] fez uma coisa de uma coragem imensa, com aquele olhar doce: foi dizer ‘não, eu vou parar, vou dizer não a todos os convites que tenho, de parcerias, de editoras, de discos, e vou, com tempo, pesquisar as minhas raízes africanas’ – quis encontrar a multiculturalidade para se encontrar a si também. Esta honestidade é raríssima e a Sara foi à [procura da] sua honestidade. A Sara não aparecia na televisão, raramente se ouvia na rádio, como é que ela toca em todos nós?”.
Rematando um depoimento emocionado, Catarina Furtado concluiu: “Nos tempos de hoje, as pessoas tendem a falar mais do que a ouvir. E a Sara parava, ouvia, olhava para lá da própria pessoa e conseguia retirar o melhor de todos nós. Eu não percebo até hoje, e irei partir sem essa resposta, porque é que ela foi tão traída pela vida e pela saúde. Temos obrigação de ouvir a sua música. Ouçam a Sara.”
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