É australiano e já esteve em 98 estádios portugueses: «Não sei como os clubes sobrevivem»

é australiano e já esteve em 98 estádios portugueses: «não sei como os clubes sobrevivem»

É australiano e já esteve em 98 estádios portugueses: «Não sei como os clubes sobrevivem»

Homem discreto nas bancadas de imprensa, com um sorriso tímido e de aperto de mão firme. No coração, uma paixão enorme por futebol e por Portugal, apesar de ter aterrado pela primeira vez em terras lusas aos 27 anos.

Para Matthew Marshall, o desporto-rei é a «ponte para a descoberta». Uma oportunidade de descobrir culturas e aprender mais sobre as suas origens. 98 estádios no currículo e experiências únicas. Trás-os-Montes, Algarve ou ilhas, a bola é o mote para a felicidade.

A curiosidade era grande e esta personagem não desiludiu. Ao zerozero, o jornalista australiano deu uma visão exterior sobre o futebol português e um esboço do seu cativante dia-a-dia. Uma forma peculiar de vida.

«Cativa-me o carinho das pessoas, a comida e as diferenças culturais»

zerozero – Como surge a ligação do Matthew a Portugal?

Matthew Marshall – Nasci em Sydney, Austrália. O meu pai é português. Quando era jovem os meus pais separaram-se e estive muito tempo sem contacto com ele e a minha família paterna. Fui para Portugal pela primeira vez aos 27 anos e fiquei a viver com a minha avó em Quarteira, a minha família é da região do Algarve. Trabalhei na área do turismo durante aquele período e comecei a conhecer um país que fazia parte das minhas raízes. Fiquei fascinado.

é australiano e já esteve em 98 estádios portugueses: «não sei como os clubes sobrevivem»
Com boa companhia em Valadares @Arquivo Pessoal

Para um australiano branco há 250 anos de história. Sempre foi um tema que me cativou e Portugal é muito rico nesse aspeto, apesar da pequena dimensão. Apaixonei-me, estudei muito e tenho também viajado. Açores, Madeira, Macau. Goa está nos planos.

Cativa-me o carinho das pessoas, a comida, as diferenças culturais entre alguém do Algarve, do Alentejo, do Norte ou da Serra da Estrela. É um ritmo calmo, menos nos campos de futebol (risos).

zz – O futebol sempre foi uma paixão? Não é o desporto mais popular na Austrália.

MM – Desde miúdo jogava futebol na escola no chão de betão. Era competitivo e cheguei a ir para a sala de aula a sangrar (risos). Na Austrália, sem acesso a televisão por cabo não era possível ver futebol. Era ignorante nesse aspeto, até ver em casa de um amigo, cujo padrasto era argentino, um jogo de Diego Maradona. Sentir aquela paixão e as análises táticas que fazia mostraram-me um desporto diferente.

Continuei a jogar até à Universidade, mas ficou algum amargo em relação a isso porque sentia que tinha potencial.

zz – E com o jornalismo desportivo continua a alimentar esse gosto, acredito.

🇵🇹⚽️🏟 #98 Feels like I’m in Nürnberg, it’s an António Salazar Nazi style special, Estádio Municipal 1º de Maio as Braga host Marítimo in the Campeonato Nacional Feminino. On the road for @PortuGoal1. pic.twitter.com/xJqrnf7tRv

— Matthew Marshall (@noobzcorp) April 14, 2024

MM – Acaba por ser a segunda melhor forma de pertencer a este mundo.

Terminei o meu curso na área na Austrália e tinha um programa de Rock and roll numa rádio. Nessa estação já existia um programa sobre futebol inglês e decidi fazer sobre futebol europeu. Conheci vários especialistas em diferentes campeonatos e foi lá que estabeleci relação com o Tom [fundador do PortuGOAL], que vivia em Portugal há muito tempo.

Mudei-me por amor em 2017 para a Alemanha e foi lá que comecei a ir a estádios. Regressei a Portugal há dois anos e o ritmo tem sido louco. Oportunidades fantásticas de estar em torneios jovens internacionais e no Mundial do Catar.

zz – Acredito que a abertura dos clubes não seja a mesma em Portugal.

MM – Em Portugal, o conceito de zona mista praticamente não é utilizado, só em jogos da UEFA. Os clubes são muito fechados em comparação com a abertura e proximidade que existia na Alemanha. Aqui [Portugal] os clubes, especialmente os grandes, querem controlar tudo ao detalhe. O Benfica fica aterrorizado se sair algo nos media que não querem e já tive problemas com o Assessor de imprensa.

Lembro-me de ir a um jogo da UD Oliveirense e ter pedido para falar uns minutos com um avançado deles australiano [n.d.r: Anthony Carter], mas rejeitaram. 1000 burocracias num contexto tão pequeno. É triste porque falar e dar voz aos protagonistas é uma coisa fantástica.

zz – É um ritmo louco e com jogos de todo o tipo. Como faz essa gestão?

MM – Ainda recentemente fui de um jogo em Coimbrões para o Estádio do Dragão (risos). Procuro ver novas equipas e já vou em 98 estádios no país. Só falta o 1º Dezembro nos três primeiros escalões. Tenho alguns amigos que me ajudam com alojamento e etc, mas claro que só em combustível as despesas disparam. Felizmente tenho a sorte de fazer isto como hobbie e durante a semana tenho outras fontes de rendimentos [n.d.r: Matthew faz outros trabalhos jornalísticos].

Estas viagens enriquecem-me também muito a nível cultural e o meu gosto por história. Voltei a Bragança recentemente e adorei. Nesse caso tinha ido de Vizela e tento fazer essas combinações para ver vários jogos numa viagem, o zerozero ajuda a montar o plano. Começam a faltar estádios na região norte para ir (risos). Em breve vou a Santarém e estou ansioso. É uma liberdade boa fazer isto por gosto e não precisar disto para pagar as contas. Ameaças como as do Benfica afetam-me pouco.

«Não acho que se goste muito de futebol, mas sim dos clubes»

zz – Tem um gosto especial pelas realidades mais modestas do futebol luso?

MM – Não consigo explicar, mas fico aborrecido em ver jogos do FC Porto, por exemplo, contra equipas do meio da tabela para baixo. Sempre que entro num estádio novo fico com um sorriso nos lábios. Sentir a relação entre as pessoas, comportamentos… E comer bem, claro.

O que eu amo nas divisões secundárias é a relação entre adeptos e jogadores. Uma proximidade que se perde num Dragão ou num Estádio da Luz. Aí, os adeptos são mais tratados como clientes do que como que fãs.

Nestes clubes não há problemas como estacionamento, também (risos). Gosto muito do barzinho típico como ponto de reunião dos adeptos, alguns como o Amora até têm um restaurante. É um ambiente familiar e tenho muito carinho por isso.

zz – Algo muito típico de Portugal é clubes jogarem em casas emprestadas.

MM – 1º Dezembro, Pêro Pinheiro e ainda recentemente vi o Oliveira de Hospital a jogar em Tábua como casa emprestada. Em casos como o Casa Pia ainda entendo porque estão a existir obras e o objetivo é voltar ao estádio do clube, mas nestes outros casos é ridículo. Vemos uma invasão de casas de apostas no futebol português, por exemplo, e não há uma ajuda para clubes como o 1º Dezembro colocarem relvado?

é australiano e já esteve em 98 estádios portugueses: «não sei como os clubes sobrevivem»
Oriental, a melhor bifana para Matthew @Arquivo Pessoal

O futebol não vive só dos grandes e não sei mesmo como os clubes mais pequenos conseguem sobreviver no cenário atual.

zz – Tem algum estádio especial no seu coração?

MM – Leixões e não é pelo estádio. Aquele grupo de senhoras mais velhas vai à loucura (risos). São hilariantes e gostam mesmo do clube. Só vou a Matosinhos por isso, nem quero saber do jogo. Confesso que acho muito aborrecidos os típicos estádios Municipais em Portugal.  Guardo mais no coração as experiências do que propriamente os estádios.

Fui a Amarante, por exemplo, e descobri muito sobre a história com as invasões francesas de Napoleão e os deliciosos São Gonçalos ainda antes de entrar no estádio. O futebol é a ponte para a descoberta.

zz – Tendo também a experiência alemã, como descreveria a cultura portuguesa futebolística?

MM – É bizarra e vou explicar porquê. Na Alemanha eles são muito agitados no dia-a-dia e loucos no trânsito. Um pouco agressivos, até. Só que o respeito é enorme nos campos, independentemente das divisões. Em Portugal é o contrário, ambiente de paz até chegar o dia de jogo. E aqui não e só nos grandes, a violência está também presente nas divisões mais baixas.

Já vi cabeçadas em Bragança, treinadores expulsos na Marinha Grande e agressões entre atletas num Gondomar-Salgueiros, por exemplo. Um festival de cartões vermelhos. Os adeptos até têm estado bem comportados nestes jogos, mas ficou-me na memória uma explosão pirotécnica em Braga e um adepto que teve de ser transportado em maca. O barulho dos petardos é um perigo para a audição das pessoas e a mão devia ser mais pesada nestes casos.

Acho que também muitas pessoas não sabem porque apoiam os clubes. Não acho que se goste muito de futebol, mas sim dos clubes. Falta mais apoio aos clubes locais, um problemas grave em Portugal, porém, não exclusivo a este país. O poder dos três grandes alastra-se depois aos media, especialmente nas televisões. É um ciclo que não vejo como vá mudar.

Sigam as aventuras de Matthew neste link. Um Aussie brevemente num estádio perto de si.

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