Kiev vive situação mais precária desde início da invasão russa

kiev vive situação mais precária desde início da invasão russa

Kupiansk (António Cotrim/Lusa)

A Ucrânia enfrenta a situação mais precária desde o início da invasão russa de 2022 e o envio de novo armamento para Kiev poderá ser insuficiente para reverter a situação, segundo vários analistas.

Participantes num debate organizado pelo International Crisis Group (ICG) com o tema “Dois anos de guerra na Ucrânia: os desafios atuais e o futuro da Europa”, moderado por Olga Oliker, diretora para a Europa e Ásia central deste centro de estudos, quatro analistas abordaram sexta-feira os principais desafios enfrentados por Kiev e apoiantes ocidentais, e as alternativas que se perspetivam.

O analista ucraniano Simon Schlegel assinalou que, nos Estados Unidos, “os cálculos mais otimistas indicam que a Ucrânia apenas poderá garantir em 2024 entre metade e três quartos das munições de que necessita”, apesar de prosseguir confrontada com uma longa linha da frente.

“Outro problema, o receio de não conseguir continuar a suster os ataques aéreos russos, em particular de mísseis, que suscitam uma crescente situação de insegurança”, acrescentou.

Outros aspetos sublinhados foram a redução da ajuda externa, na perspetiva de uma deterioração da situação no terreno, os problemas acrescidos para a população civil, a maior pressão sobre os soldados colocados na linha da frente “que estão exaustos após dois anos”, ou a necessidade de alterar a forma de mobilizar a população, “um desafio das novas chefias miliares mas que pode implicar a adoção de medidas impopulares”.

“A Rússia tem muito mais capacidade de mobilização. Ainda existe um forte sentimento de resistência, mas os fundos para a pôr em prática estão a diminuir drasticamente”, referiu.

Na perspetiva desta organização com sede em Bruxelas, fundada em 1995 e vocacionada para a pesquisa e análise de crises globais, as decisões e ações da liderança de Kiev num período crucial do conflito vão determinar o destino da Ucrânia e a segurança da Europa a longo prazo.

A alteração da situação no terreno, e quando permanece incerto o prosseguimento do apoio sustentado dos Estados Unidos, levou à nova “perceção” que existe na Rússia, defendeu o analista russo Oleg Ignatov.

“A perceção que existe na Rússia mudou desde o início de 2024 em comparação com a situação no verão de 2023. Agora existe mais confiança, com objetivos a serem alcançados, acreditam que a Ucrânia será incapaz de acumular os recursos suficientes para libertar territórios no futuro”, afirmou.

O investigador também assegurou que a liderança do Kremlin “não valoriza muito a ajuda norte-americana, antes acreditam que o Exército russo se adaptou aos desafios colocados pelas forças ucranianas e que o quadro geral não será alterado mesmo que seja enviado mais apoio ocidental”.

Ainda outra perceção que se instalou em Moscovo, segundo Ignatov, reside nos “crescentes problemas de mobilização da Ucrânia, que não conseguirá mobilizar mais soldados como conseguiu em 2022, e que esta vantagem da Rússia em homens e munições será um fator decisivo na guerra”.

Para o analista, e atendendo ao exponencial aumento da produção militar interna, a liderança russa convenceu-se que “a estratégia de [Presidente ucraniano Volodymyr] Zelensky de libertação dos territórios não está a resultar”.

A estagnação da crucial ajuda militar norte-americana a Kiev, numa situação em que o dinheiro “está a acabar” foi um dos aspetos sublinhados pela analista norte-americana Sarah Harrison, que recordou a necessidade da administração do Presidente Joe Biden recorrer a “fundos de emergência” para remediar a situação.

“No Congresso surgiu uma proposta para ajuda militar à Ucrânia, Israel e Taiwan, no início de fevereiro registou-se um princípio de acordo”, mas o presidente da Câmara dos representantes, o republicano Mike Johnson, sugeriu que essa proposta poderia ser “bloqueada” por muito tempo.

“O problema é que [o ex-presidente Donald] Trump concorre de novo à presidência, opõe-se e encoraja os legisladores. É uma situação disfuncional, Biden tem de continuar a encorajar o Congresso, enquanto a maioria republicana na Câmara dos representantes entende não ser uma prioridade. Uma situação de impasse”, afirmou.

Sarah Harrison assegurou ainda que existe equipamento, existem munições, bastando disponibilizá-las, e mesmo que “não exista magia para garantir dinheiro, com o Congresso a ter necessidade de fazer mais”.

Para a analista norte-americana, a questão central consiste em garantir no imediato aquilo que a Ucrânia necessita, mas o problema reside da Câmara de Representantes. “É muito controlada por Trump e de momento está mais concentrada na fronteira sul”, numa referência ao contencioso migratório que envolvem o vizinho México.

Perante o atual cenário, Alissa de Carbonnel, vice-diretora para a Europa e Ásia central do ICG, admitiu a existência de “algum sentido de alarme” nos líderes europeus. Recordou a recente visita do chanceler alemão Olaf Scholz a Washington, como já tinha feito o Presidente francês Emmanuel Macron, que confirmaram a urgência do momento.

“Não é fácil, após anos de negligência e de desinvestimento na área do armamento e quando existem fenómenos como a inflação que afetam as populações”, susteve.

“Existem desacordos na Europa, com a emergência dos nacionalismos. Mas também um sentimento de urgência para tomar decisões, para garantir à Ucrânia o que necessita na linha da frente. A questão consiste em saber se vai continuar a existir unidade e entendimento, apesar da recente aprovação de uma ajuda de 50 mil milhões de euros para os próximos quatro anos”, recordou.

Numa perspetiva estratégica, e regressando aos objetivos da Rússia, Oleg Ignatov destacou que o seu principal objetivo consiste em garantir e aprofundar a atual situação no terreno.

“Moscovo considera que as eleições EUA não vão afetar muito a Rússia, que o problema não é de personalidades mas de reconhecimento dos interesses da Rússia”, frisou.

“Caso a administração Biden conclua que a estratégia é insustentável, também assinalam que gostariam de assistir a uma alteração das posições da Casa Branca. A um diálogo entre as duas partes, como sucedeu entre Washington e Moscovo durante a presidência de Donald Trump em 2017, mesmo sem muitos resultados. A Rússia não esconde pretender de novo um diálogo direto com os EUA”, disse ainda.

O analista retomou outros argumentos do Kremlin, que sempre tem referido que esta guerra acabará com negociações, com envolvimento direto de Washington.

“Está rejeitada a ocupação de Kiev ou Lviv, e como referiu recentemente [o Presidente russo Vladimir] Putin é impossível a Ucrânia ou o ocidente vencerem esta guerra, sendo necessário negociar com o Governo russo, e sem outro interlocutor”.

Em caso de diálogo, a Rússia irá insistir nas suas reivindicações de princípio face à Ucrânia: impedir a militarização, limitar o número de tropas, e das armas que poderá possuir.

“Mas a ideia chave é manter a neutralidade e não-alinhamento da Ucrânia, como antes de 2014. E isso é da responsabilidade da Ucrânia, alterar a Constituição e tornar-se num Estado neutral”, mesmo que apenas admitam um cessar-fogo “quando terminar assistência militar do ocidente à Ucrânia”, adiantou Ignatov.

Caso contrário, sustentou, a Rússia assegura que, sem negociações, “a guerra vai prosseguir e que o Exército prosseguirá a ofensiva o tempo que for necessário”.

A “não-interferência” do ocidente em outras regiões pós-soviéticas em particular na Geórgia e Moldova, constitui outra reivindicação. “A Moldova é importante, a Rússia quer garantias de segurança para as suas tropas. Terá de ser também um Estado neutral, vão exigi-lo”.

Pelo contrário, Ignatov exclui qualquer ação militar russa no Báltico ou a países integrados na aliança militar ocidental. “É muito difícil imaginar um ataque da Rússia a país da NATO, o seu poder aéreo é medíocre, tem muitas desvantagens em armas modernas. Não pensam em suicídio, isso é claro”.

Num regresso aos atuais desafios de Kiev, após uma alteração radical nas chefias militares, Simon Schlegel, admitiu na sua segunda intervenção “num novo começo, uma nova divisão de tarefas”, mas com o prosseguimento dos constrangimentos.

“Não haverá no curto prazo contraofensiva como sucedeu no verão de 2022. A mobilização será inferior aos 500.000 soldados previamente pedidos. E será aplicada uma forma mais económica de utilizar os soldados no campo de batalhas, como tem sido sugerido com crescente utilização de ‘drones’ e outro tipo de armamento”, disse.

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