Ainda é uma vez... em Tabernas, Almería

O Sol está a pôr-se e o cavalo à nossa frente levanta poeira enquanto galopamos nas terras bravias. Consigo distinguir um imponente desfiladeiro de arenito pairando lá ao fundo através da neblina. Não é um monólito qualquer: é enorme montanha que se tornou famosa por acolher um Clint Eastwood vestido com um poncho e fugindo de um bando de bandidos que cortavam gargantas. Este pedaço de história cinematográfica é uma visão épica de contemplar, mas a minha égua não está com vontade de parar para tirar uma fotografia.

Em vez disso, ronca e continua a avançar delicadamente através dos leitos ribeirinhos secos e dos trilhos polvilhados com sálvia, enquanto eu me mantenho atenta às serpentes escorregadias que também vivem nesta terra ressequida. Tudo neste cenário crepuscular me faz sentir como se estivesse a atravessar as enormespanorâmicas da América do Norte, por isso é com alguma surpresa que volto à realidade quando Sara González, a nossa guia, se vira para nós e cumprimenta o grupo com um alegre “Hola!” em vez de “Hey y’all!”.

Vim visitar Almería, uma província da Andaluzia aninhada no canto sudeste da costa mediterrânea de Espanha. Esta região pouco conhecida conseguiu escapar às hordas do turismo em massa, o que parece curioso uma vez que Almería tem um cartão de visita deveras impressionante – é o lar de Tabernas, um dos raros semi-desertos da Europa. Recentemente, porém, as maravilhas naturais da região começaram a ser divulgadas, atraindo uma nova vaga de visitantes, diz González, que é enfermeira durante o dia e guia-cowgirl da empresa de aventura Malcaminos quando a noite cai. “Estamos a receber turistas muito mais novos, na casa dos 20, 30 e 40 anos em Almería. Vêm de outros locais da Europa em busca desta paisagem”, diz González sobre o ombro enquanto caminhamos neste terreno rochoso e escaldado pelo Sol. “Os turistas costumavam vir por causa dos cenários dos filmes western, mas agora tenho de explicar o conceito de spaghetti western à maioria dos nossos clientes”, diz rindo-se, enquanto regressamos ao rancho.

ainda é uma vez... em tabernas, almería

Oasys Mini Hollywood é um de três antigos cenários de filmes spaghetti western em Tabernas.

Por um punhado de euros

Na manhã seguinte, ao meio-dia em ponto, dirijo-me até aos cenários do Velho Oeste mencionados por González. Almería tornou-se famosa na década de 1960, quando o realizador italiano Sergio Leone usou esta paisagem para filmar os seus famosos spaghetti westerns, um subgénero de westerns assim denominados por serem frequentemente produzidos e realizados por italianos. Leone acabou por criar a Trilogia Doláres (também conhecida como a Trilogia do Homem Sem nome) composta por três obras-primas: Por um Punhado de Dólares, Por Mais Alguns Dólares e O Bom, O Mau e o Vilão, filmadas neste deserto semi-árido.

A região não tardou a tornar-se conhecida como a Hollywood da Europa devido aos seus baixos custos de produção, uma média de 3.000 horas de Sol por ano e a versatilidade da sua paisagem mutável. Foi usada para simular locais tão diversificados como o Faroeste Americano para filmes de cowboys, a Turquia para Indiana Jones e a Última Cruzada, de Steven Spielberg, e mais recentemente como Uluru, na Austrália, para um episódio de The Crown.

Actualmente, excepto algumas produções pontuais, as câmaras praticamente pararam de filmar em Almería. Apesar disso, ainda existem três relíquias do Faroeste – Oasys MiniHollywood, Texas Hollywood / Fort Bravo e Western Leone — amontoadas em redor da antiga cidade de Tabernas, a cerca de 30 minutos de carro do aeroporto de Almería. Descubro que estes locais sobreviveram porque se transformaram em atracções turísticas, com espectáculos de can-can e passeios de caravana no meio dos cenários desérticos e fantasmagóricos.

Puxo uma cadeira no velho saloon mesmo a tempo de ver um cowboy entrar, com um grande chapéu cobrindo-lhe os olhos e esporas prateadas abanando nos seus tornozelos enquanto caminha sobre o soalho de madeira. Servindo de adereço ao belíssimo bar em mogno, duas mulheres com vestidos de cetim antigos e farfalhudos trocam olhares ansiosos enquanto ele passa, com a mão direita contraindo-se sobre uma pistola reluzente enfiada no coldre que traz à cintura.

O público à minha volta já conhece o enredo honrado pelo tempo desta cena. Já todos vimos westerns suficientes para saber que, no encalço deste desperado, virá um bando de bandidos, que a seguir haverá um tiroteio e, por fim, um duelo mortal. No entanto, isso em nada diminui a emoção de assistir ao espectáculo bombástico de Fort Bravo, com as suas coreografias exuberantes executadas por duplos e o ar impregnado com o cheiro da pólvora à medida que os cartuchos vão rebentando com estalidos sonoros.

Quando o fumo começa lentamente a dissipar-se, avanço até ao parque de estacionamento poeirento, fazendo uma pausa para apreciar a beleza evanescente desta cidade de fronteira retro originalmente construída no início da década de 1970. O protagonista do espectáculo de cowboys, cuja impressionante carreira em Fort Bravo já dura há 26 anos, encontra-se agora no passadiço instável, fumando um cigarro enquanto olha para o telemóvel e uma bandeira esfiapada dos EUA esvoaça ruidosamente com o vento.

ainda é uma vez... em tabernas, almería

Outrora um local de filmagens de spaghetti westerns, OasysMini Hollywood é um parque temático de estilo americano, com uma cidade da época da corrida do ouro e um elenco de cowboys e foras-da-lei.

Fort Bravo parece um pouco o fantasma dos westerns passados, mas a minha próxima paragem, já a seguir nesta estrada serpenteante, oferece um vislumbre do futuro dos locais de filmagem de Almería. Mais de cem filmes foram filmados em locais como Oasys MiniHollywood nas décadas de 1960 e 1970, antes de os cenários iniciarem a sua segunda vida como parque temático de estilo americano, com uma cidade da época da corrida do ouro com lojas de recordações, jardim zoológico, parque aquático e restaurante de grelhados sofisticado com vista para as montanhas acidentadas – atraindo uns saudáveis 180.000 visitantes por ano. As obras para construir um hotel a evocar uma pensão ainda estão em curso.

A loja de máscaras da Main Street parece fazer um bom negócio a alugar disfarces de pioneiros aos visitantes, fazendo com que seja cada vez mais difícil distinguir entre turistas e membros do elenco. No meio daquele mar de chapéus de cowboy, consigo encontrar Diego García Ceba, director de entretenimento de Oasys MiniHollywood. Enfiando os polegares nos bolsos do seu colete de cabedal, baloiça sobre os calcanhares ao recordar com carinho que os westerns sempre assumiram um papel importante na sua vida.

“Nasci a apenas 20 minutos daqui e uma das minhas primeiras memórias foi conhecer o Henry Ford quando era deste tamanho”, mostrando que era aproximadamente do tamanho das botas de cowboy do actor de Hollywood. “No início da minha carreira, trabalhei como duplo em filmes feitos em Almería. Depois, há cerca de 40 anos, comecei a trabalhar neste parque. Agora dirijo toda a acção no local – as reproduções de westerns e os espectáculos de can-can – mas aquilo que me mantém aqui é a minha paixão pelos cavalos”, afirma. Nem de propósito, o som de cascos trovejantes assinala a cena de abertura do meu segundo espectáculo western do dia, desta vez envolvendo desempenhos dignos de um Óscar de vaqueiros que caem de varandas sobre fardos de feno estrategicamente colocados, enquanto a banda sonora de Rawhide soa através das colunas.

ainda é uma vez... em tabernas, almería

O Deserto de Tabernas — o único da Europa — serviu de cenário a muitos filmes notáveis ao longo das décadas.

Rainha do (semi-)Deserto

Antes de deixar Almería, é altura de me encontrar com a naturista e guia turística Cristina Serena Seguí e dar um passeio num veículo 4X4 em Tabernas. Com um lenço cor-de-rosa atado ao pescoço, tal qual uma exploradora, Cristina explica que fundou Malcaminos, a sua empresa de aventuras ao ar livre, há duas décadas, organizando viagens com um par de camelos desgrenhados – uma cena ao estilo de Lawrence da Arábia, de 1962, que também foi filmado em Tabernas.

Com uma certa tristeza, os camelos foram trocados por jipes e cavalos, explica Cristina enquanto avançamos aos solavancos no seu carro sobre uma paisagem desértica praticamente intocada pela água, graças às cordilheiras em seu redor, que funcionam como barreira natural, impedindo a atmosfera húmida do mar Mediterrâneo de ali chegar.

“As atitudes mudaram em relação a este [semi-]deserto ao longos dos 20 anos que aqui trabalho. No passado, era considerado uma terra erma com pouco interesse”, diz, estacionando o jipe para contemplarmos uma vista fabulosa das encostas e ravinas de aspecto lunar, que há milhões de anos estavam escondidas em baixo do mar. Agora, cientistas de todo o mundo visitam-na regularmente para saber como podemos cultivar hortícolas e viver com menos água e Tabernas está a tornar-se um estudo de caso cada vez mais extremo. Num ano bom, a região recebe apenas 20 centímetros de chuva – e, no ano passado, devido à seca, choveu tão pouco que agricultura, uma fonte fundamental de rendimentos para a região, foi gravemente afectada.

“Temos agora de pensar nas coisas valiosas que Tabernas tem para oferecer. Há o turismo, claro, que cada vez mais envolve o agro-turismo. Mas também temos muito Sol e vento, por isso as energias renováveis estão a atrair as atenções.” Os agricultores locais estão a adaptar-se às alterações climáticas cultivando frutas e legumes sob protecções em plástico. Almería tem agora uma das maiores concentrações de estufas do mundo, acrescenta Cristina. “Num primeiro impacto, as pessoas ficam chocadas quando vêem as estufas, mas de muitas formas, é uma solução inteligente para lidar com a falta de chuva pois evita a evaporação. Chegámos a estas conclusões muito antes dos outros pelo simples facto de a nossa sobrevivência nos ter obrigado a tal.”

Enquanto regresso ao aeroporto, passando por um oceano de painéis solares que reveste a estrada ressequida e os locais de filmagens de westerns transformados em atracções turísticas, volto a ouvir as palavras de despedida de Cristina: “Almería sempre foi uma terra que ensina as pessoas a adaptarem se aos tempos”.

Este artigo foi produzido pela National Geographic Traveller (Reino Unido).

News Related

OTHER NEWS

Região de Lisboa, Alentejo e Algarve sob aviso amarelo na 5.ª feira por causa da chuva

Tiago Petinga/LUSA Lisboa, 27 nov 2023 (Lusa) – Lisboa, Setúbal, Évora, Beja, Portalegre e Faro vão estar sob aviso amarelo a partir da madrugada de quinta-feira, devido à previsão de ... Read more »

Primeiro-ministro britânico vai recusar devolver à Grécia mármores do Partenon

Chris Ratcliffe / POOL/EPA Londres, 27 nov 2023 (Lusa) – O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, vai recusar devolver à Grécia os mármores do Partenon, guardados no Museu Britânico, em Londres, ... Read more »

"Tchau Chico!": médio do FC Porto 'desorientado' à entrada do avião rumo a Barcelona

O futebolista de 20 anos entrou no local errado no interior da aeronave, e não se livrou de algumas brincadeiras dos colegas de equipa. “Tchau Chico!”: médio do FC Porto ... Read more »

Bastonário dos médicos lança apelo ao ministro e à Direção Executiva do SNS

Carlos Cortes, Bastonário da Ordem dos Médicos. Foto: DR O bastonário da Ordem dos Médicos apelou, esta segunda-feira, ao ministro da Saúde para ouvir estes profissionais e ponderar “com seriedade” ... Read more »

Clima: Mar gelado da Antártida recuou em setembro 1,5 milhões km2 homólogos

Antártida (EPA/Alberto Valdes) A superfície gelada do mar na Antártida retrocedeu em setembro 1,5 milhões de quilómetros quadrados em termos homólogos, revelou esta segunda-feira o secretário-geral da ONU, António Guterres, ... Read more »

MotoGP: Miguel Oliveira mantém 88, mas ainda se desconhece a equipa

A DORNA divulgou também alterações aos regulamentos, de forma a permitir concessões de evoluções à Yamaha e à Honda, os dois construtores japoneses que se viram suplantados pela Ducati. MotoGP: ... Read more »

Blackstone está de olhos postos na compra de imóveis na Europa

Steve Schwarzman, fundador e CEO da Blackstone A gigante norte-americana Blackstone já tem vários negócios imobiliários na Europa e em Portugal. E deverá reforçar o seu investimento em breve. Isto ... Read more »
Top List in the World