Quase metade das profissões desaparecerá nos próximos 10 anos. Principalmente as de menor qualificação. Explicam em detalhes e me convenço. Um mundo diferente surgirá.
Por Abraham B. Sicsú – de Brasília
Duas amigas estudam o assunto. O que era previsível piorou muito. Os avanços da tecnologia, da Inteligência Artificial entre outros, aceleram o processo.
Reflexões sobre a substituição humana pela tecnologia e a valorização insubstituível do toque pessoal nos serviços
Quase metade das profissões desaparecerá nos próximos 10 anos. Principalmente as de menor qualificação. Explicam em detalhes e me convenço. Um mundo diferente surgirá.
Procuro levantamentos na internet. Poucos estudos explicativos. O mais aprofundado que encontro é da ISE Business School, além de estudos acadêmicos que se centram nas novas dinâmicas advindas dos ChatGPT da vida. Tudo muito claro, real demais para meu gosto.
Consenso que o agente de viagem desaparecerá. Está tudo na internet, para que ele?
Fico pensando em Carol ou Suzana que sempre nos ajudaram em nossas aventuras. A viagem antes da viagem. A escolha de passeios fantásticos, as dicas das culturas locais, os bons restaurantes, os espetáculos imperdíveis em cartaz. É verdade que seria mais barato uma boa pesquisa nos meios digitais. Está tudo lá. Mas, perderia noites ótimas que me davam certeza de fazer opções corretas, de não ignorar o que de melhor acontecia. Além de perder a oportunidade de estar com pessoas fantásticas que se disponibilizam para nos orientar.
Grandes companhias
Em 24 meses os corretores de seguro estarão fora. Avaliação de risco e vendas de seguros será toda informatizada e feita pelas grandes companhias, não precisamos mais deles.
Sábado de noite, 21 horas. Uma mensagem que recebi no dia anterior e apaguei, volta à mente. Dizia que estava aberto meu seguro de automóvel por não pagamento da última parcela. Muitos trotes cibernéticos fazem com que ignoremos essas mensagens. Lembrei que tive que mudar o cartão de crédito por problemas no chip. Agoniado como sou, quero resolver na hora.
Ligo para Marcos, meu corretor de seguros faz mais de trinta anos. Com calma e sem mostrar nenhuma irritação, ao contrário, me escuta e me acalma. Iria procurar um boleto para regularizar o pagamento e corrigir para os futuros no novo cartão. Diz até que estava com saudades e manda recomendação para toda a família.
Domingo, sete da manhã. Abro meu celular e o boleto está lá. Que Banco ou Seguradora faria isso?
As habilidades em contabilidade a preparação de relatórios financeiros desaparecerão em 36 meses. O velho contador pessoal passa a não ter sentido.
Todo ano o procuro. Williams é uma grande figura. Trabalhou comigo na década de noventa do século passado. Quebra todos meus galhos e da minha família, faz nossos impostos, procura os caminhos para que não haja nada incorreto. E se houver, vai à Receita para tentar resolver.
Contas bloqueadas
Em uma oportunidade, por termos sido enganados por uma prestadora de serviços, tivemos as contas bloqueadas. Em um dia se inteirou do problema e deu a solução, inclusive para sermos ressarcidos de prejuízos. Duvido que um programa de computador tenha essa agilidade.
O Faz Tudo não é mais necessário. Aquele profissional que conhece detalhes das obras dos edifícios, que sabe como resolver os problemas que nos parecem insolúveis, problemas que nos tiram do sério. Já teria desaparecido. Seguradoras lhes mandam especialistas em qualquer problema que tiver em casa.
Perdeu a mulher na pandemia. Um amigo muito querido. Sempre o procuramos. Quase todo mês precisamos dele. Nido é uma grande figura. Calado, mas muito atencioso, atende rapidamente a qualquer chamada. Desde trocar uma lâmpada que dizem ser fácil, ignoram os malabarismos dos arquitetos atuais que as colocam em lugares inatingíveis, até dificuldades na área hidráulica ou de construção, resolve ou indica quem melhor resolve.
Nem pensar em revisores de texto ou bibliotecários. Completamente “out” em menos de um ano e meio. Como professor universitário tendo a protestar.
Quanto aos bibliotecários, agora chamados de profissionais da ciência da informação, recordo da querida amiga Isabel. Perdeu horas e horas tentando encontrar documentos que muito me auxiliaram na elaboração de trabalhos acadêmicos. Procurou entender minhas angustias e estruturou em conjunto conosco muitos dos trabalhos. Não são meros arquivistas, têm função estratégica, inclusive psíquica.
No que se refere aos revisores de textos, que dizem que já acabou, até hoje, a todos os orientandos que trabalham comigo, peço que os procurem, são fundamentais para a correção de erros gramaticais, muito mais, dão vida aos textos, fazem com que se tornem atraentes aos leitores. Minha querida amiga Maria Helena, por anos e anos, corrigiu os meus e fez com que meus vexames fossem menores.
Sou engenheiro de produção. Também dizem que está morrendo. Otimizar processos e sistemas de produção não seria mais necessário. É como se a sociedade fosse apenas virtual. Mesmo aí há espaço, não vou entrar nessa discussão. Mas, importante notar que o mundo físico, da produção concreta, ainda existirá. E nele eficiências são fundamentais, bem me ensinaram meus mestres professores.
Fui engenheiro de fábrica. Fábrica pequena e por curto prazo. Duvido que se tivesse os resultados alcançados sem um “técnico” que estruturasse a programação e controle da produção, que articulasse os diferentes segmentos e que se preocupasse com o processo produtivo. Inclusive que harmonizasse as equipes e fizesse com que trabalhassem unidos. Isso desaparecerá?
Não ponho em dúvida essa futurologia toda que move os analistas atuais na escalada do mundo digital. É algo esperado, talvez um pouco alarmista.
Eu não abro mão do convívio humano desses profissionais que muito me ensinam e tornam minha vida mais interessante. A morte anunciada não pode ser do afeto humano e do respeito a quem tanto vem dando para uma sociedade mais fraterna. É nisso que acredito.
Abraham B. Sicsú, é professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco).
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil
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