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Marcada por sua urbanização desenfreada e seus arranha-céus, São Paulo é mais reconhecida pelo concreto do que pelo verde. Não é para menos. Apesar de possuir uma cobertura vegetal total de 54,1%, a metrópole abriga regiões com índices inferiores a 4%, sobretudo nas áreas central e Leste. A compensação vem em suas franjas, em especial nas zonas Norte e Sul. Essa segunda corresponde a mais de 60% de toda a área arborizada da capital. Ali ficam os distritos de Parelheiros e Marsilac, os mais distantes do Centro.
Com ares de cidade do interior, os dois imensos bairros (eles formam 28% do território paulistano) foram criados em meados do século passado, quando ainda pertenciam, em partes, às cidades de Santo Amaro (anexada a São Paulo em 1932) e São Vicente, no Litoral Sul.
Da história pretérita de sua colonização por alemães e posteriormente japoneses, os dois locais já se destacam há alguns anos como grandes produtores de alimentos, sobretudo orgânicos, graças às centenas de pequenas propriedades rurais de base familiar. Nos últimos tempos, outra atividade tem reformulado os negócios: o turismo ecológico e cultural, tanto dentro quanto fora dos sítios e chácaras.
Chamada oficialmente de Polo de Ecoturismo de São Paulo, por força de uma lei municipal de 2014, a região, também compreendida pela Ilha do Bororé, abriga um surpreendente rol de atrações, com rios e cachoeiras de águas limpas, em meio à Mata Atlântica e ao Cerrado, além de atividades culturais e artísticas.
De passeio de trenzinho puxado por um trator a alimentar cavalos com milho, dá para se sentir no interior a apenas 50 quilômetros da área central. No mês passado, Vejinha passou três dias e duas noites na região* e conheceu um pouco das atrações do pedaço, com direito a rafting no Rio Capivari, um dos últimos limpos da cidade (o outro é o Monos, na mesma região), ida a uma aldeia indígena guarani, além de caminhar por trilhas, parques e estradas de terra.
De todas as atividades, dois parques naturais municipais estão entre os mais surpreendentes. Ao contrário dos outros espalhados pela cidade, os espaços não são voltados majoritariamente para a prática de atividades esportivas em grupos, como futebol, por exemplo, mas sim destinados — além da contemplação da natureza (o Lago das Ninfeias é um dos mais procurados) e da recreação em família (os brinquedos, como gangorras e balanços, feitos de madeira, também servem aos adultos) — às atividades de caminhadas por trilhas.
Com 4,5 quilômetros quadrados, o triplo do Parque Ibirapuera, o Parque Natural Municipal Itaim, em Parelheiros, tem a Trilha do Tatu (700 metros de extensão) e o Bosque do Silêncio. A quase 10 quilômetros dali, o Parque Jaceguava, praticamente do mesmo tamanho do vizinho, tem como atrativo principal a Trilha do Saci, com 2 quilômetros de extensão. O caminho, que começa em meio à Mata Atlântica, termina no Cerrado, também característico da região, que difere do primeiro pelo tamanho da vegetação, mais baixa, deixando a temperatura do espaço mais alta.
Idealizador das trilhas, o engenheiro agrônomo Marcelo Mendonça, 57, coordena os sete parques naturais da cidade, construídos em terras doadas pelo governo do estado como compensação ambiental pela construção do Rodoanel. Além de desenvolver os brinquedos, Mendonça criou uma veículo especial para cadeirantes poderem utilizar as trilhas (veja no quadro abaixo).
Da observação da natureza à contemplação artística, a Casa da Girafa é outro instigante passeio na região. Localizada em um condomínio próximo ao Solo Sagrado de Guarapiranga, a casa foi erguida pelo artista plástico Luiz Cardoso, 49, com materiais reaproveitados de obras e demolições espalhadas pela cidade. A janela de um dos quartos, por exemplo, estava despejada em uma caçamba dentro da Santa Casa de Misericórdia, no Centro. “Fui visitar uns amigos que moravam ao lado e vi da sacada a janela. Corri para a administração e pedi para levá-la. O difícil não foi obter autorização, mas carregá-la até o apartamento dos amigos”, ri.
Sem possuir especialização em arquitetura e engenharia, o autor da casa utilizou madeira, tijolo e pau a pique para erguer o imóvel. “Levou sete anos para ficar pronta, e quem viu o início não imaginou que ficaria dessa forma”, afirma Luiz.
Outra atividade com cara de passeio rural, o The Roça Park é destinado a crianças e adultos. Em uma típica fazendinha como as de hotéis do interior, é possível alimentar cabras e cavalos com milho, além de observar o manejo de outros animais, como porcos. O carro-chefe do pedaço, no entanto, não é um carro. Dirigido por Joaquim dos Santos, 75, dono do espaço, o trator puxa um trenzinho que leva os turistas para um passeio até a entrada da Represa de Guarapiranga.
Uma atração à parte são os três cães que acompanham o trajeto e aproveitam uma parada para se refrescarem nas águas da Guarapiranga. Quando a reportagem esteve no passeio, um dos cães voltou com um peixe na boca, para a surpresa da criançada em volta.
De todas as atrações do polo, a mais radical é a descida de bote pelo Rio Capivari, que deságua no Rio Itanhaém, já no litoral e em direção ao mar. O passeio, promovido pelo Selva SP, dura cerca de três horas e passa por quatro cachoeiras, cada uma mais difícil que a outra, mas todas consideradas leves e moderadas. A volta das corredeiras é feita por meio de uma trilha de cerca de uma hora.
Para chegar ao local, que só atende com agendamento prévio, a dica é escrever o nome do Selva SP no Waze e também no Google Maps, para o caso da conexão do celular ficar instável.
Na mesma região do Selva SP, a aldeia guarani Krukutu é uma das sete terras indígenas (de um total de catorze) abertas a visitação. O local oferece diversas atividades para os turistas conhecerem a cultura local, como trilhas, palestras, apresentação de coral e degustação de alimentos tradicionais.
Para agendar o passeio pelo site www.tenondepora. org.br (não é permitido chegar sem marcar), o visitante precisa ler um documento sobre como se comportar nas aldeias. “Isso é importante, pois as visitas devem seguir a premissa do respeito. Não são todas as perguntas que podem ser feitas, pois podem soar ofensivas aos indígenas”, afirma o guia de turismo Naiche Bentubo, especialista na região.
O Polo de Ecoturismo é coordenado pela SPTuris, empresa municipal de economia mista, que promove uma série de integrações dos empresários e moradores, tanto entre si quanto com diversas secretarias. “Os sítios começaram a se organizar para abrir e receber o público. Muitos não enxergavam a riqueza e o potencial que existem lá dentro. Com o fluxo de turistas que conseguimos criar, a capacidade de crescimento para a região é enorme”, afirma Fernanda Ascar, diretora de turismo da empresa municipal.
Apesar de os mais de cinquenta atrativos estarem abertos a visitação, uma série de regras foram criadas para evitar o colapso da região, ainda carente de infraestrutura. A principal dica é que os paulistanos escolham agências e guias cadastrados para agendar as visitas, como Toca da Onça (☎ 11 99612-8858) e Discovery Fellows (☎ 11 99616-8314). Outra possibilidade é utilizar o serviço Vai de Roteiro, da SPTuris, que promove excursões por toda a cidade, incluindo o Polo de Ecoturismo, aos sábados e domingos (www.sympla.com.br/ produtor/turismoprefsp).
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de abril de 2024, edição nº 2888
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