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Sessenta anos depois do golpe que mudou a história do Brasil, em 1964, o País ainda busca fragmentos de um processo que o levou a duas décadas de um regime corrompido sucessivamente por atos institucionais cada vez mais duros e cruéis. Ao relembrar a data em que o então presidente João Goulart foi derrubado por uma conspiração que incluiu civis e militares, o País vive também momentos de tensão e polarização exacerbada que, de acordo com investigações da Polícia Federal, por pouco não levaram a mais uma ruptura.
Muitos desses recortes da história foram esmagados pela repressão da ditadura, mas, ainda hoje, 60 anos depois, é possível conhecer histórias que ajudam a entender o contexto das ações que culminaram no golpe e suas consequências.
Tropas do Batalhão Anhangüera REC-TC marcham de volta para a capital, após mobilização no dia 31 de março de 1964, dia do golpe militar Foto: Acervo Estadão
Ao longo dos próximos quatro dias, o Estadão vai revelar alguns desses fragmentos, que também serão publicados em um caderno especial na edição impressa no próximo domingo, 31. Entre eles, trechos inéditos de depoimentos prestados a repórteres do Jornal da Tarde (produto do Grupo Estado) entre 1977 e 1978, quando ainda vigorava a censura do Ato Institucional nº 5 e que, agora, virão a público para contribuir com o entendimento do cenário no País nas décadas imediatamente anteriores ao golpe de 64 e nos anos que se sucederam até o início do debate sobre a anistia, que só viria a ser aplicada em 1979.
Os depoimentos que o Estadão vai apresentar vieram de uma iniciativa de Melchiades Cunha Júnior, então redator do Jornal da Tarde que, em 1976, apresentou ao diretor Ruy Mesquita a ideia de criar um banco de informações históricas sobre aquele período marcadamente conturbado. Os depoimentos foram gravados, transcritos e depositados no arquivo do jornal com o compromisso de que seu inteiro teor não seria divulgado enquanto os entrevistados estivessem vivos.
“Era mais um serviço que prestaríamos à coletividade em um País a tal ponto despreocupado com sua história que ultimamente o melhor que se tem feito em matéria de estudo da história recente do Brasil é obra de estudiosos norte-americanos”, disse Ruy Mesquita, no prefácio do livro “Depoimento – Carlos Lacerda”, cujo conteúdo da conversa com os jornalistas foi publicado em 1978, após a morte do ex-governador da Guanabara.
Assim como Lacerda, foram entrevistadas outras figuras de destaque nos acontecimentos históricos iniciados na revolução de 30, que levou Getúlio Vargas ao poder, até aquele momento de tensões em alta, em meio a uma ditadura militar que ainda rejeitava devolver o poder aos civis. Desses depoimentos, apenas alguns trechos das conversas do ex-presidente do STF, Aliomar Baleeiro, e dos generais Amaury Kruel e Pery Bevilaqua foram revelados no Jornal da Tarde no mesmo ano da publicação do depoimento de Lacerda. Outros permaneceram guardados e, agora, quando todos os personagens já faleceram, poderão ser conhecidos.
Além desses três citados, há relatos do ex-senador e ex-ministro Afonso Arinos e de Alzira Vargas, filha de Getúlio e chefe do Gabinete Civil da Presidência do pai, que ajudam a entender o cenário de tensão e forte polarização política que forneceram os elementos para o fatídico 31 de março de 1964.
Esses depoimentos recontam o cenário de divisão da sociedade brasileira, vivenciado desde a ditadura Vargas, passando pela volta de Getúlio ao poder, seu suicídio após a pressão por sua queda, um breve período de normalidade democrática sob Juscelino Kubitschek e a renúncia de Jânio Quadros, com a ascensão de João Goulart, um ex-ministro de Getúlio, que, para seus adversários, conspirava para trazer de volta o varguismo ao País de forma ainda mais radicalizada. Todos esses aspectos, que começam com o depoimento de Afonso Arinos sobre a mudança de percepção do principal partido de oposição a esse modelo, a UDN, sobre a chegada ao poder por meio das eleições, ajudam a contar como o Brasil desembocou no golpe de 64.
Militares em Laranjeiras, próximo à casa do presidente João Goulart, em 1964 Foto: Acervo Estadão
Esses depoimentos, assim como documentos por eles fornecidos, serão publicados exatamente como foram colhidos, preservando palavras e conceitos utilizados na época, tanto do entrevistado como dos entrevistadores, em um momento em que o País ainda vivia sob o AI-5, que ampliou a repressão, a tortura e a censura. Como exemplo, à época, todos se referiam ao golpe como “revolução”. Quando necessárias, notas explicativas sobre personagens e fatos foram acrescidas aos textos.
Cronograma de publicação dos trechos inéditos de depoimentos:
- Quinta-feira, 28/3 – Afonso Arinos
- Sexta-feira, 29/3 – Pery Bevilaqua
- Sábado, 30/3 – Amaury Kruel
- Domingo, 31/3 – Aliomar Baleeiro
- Domingo, 31/3 – Alzira Vargas
Além desses depoimentos inéditos, o Estadão também preparou conteúdo exclusivo sobre outra faceta do golpe gestado em São Paulo, com depoimentos também inéditos de militares e policiais que participaram da conspiração no Estado mais rico do País, com treinamento, compra de armas e foguetes para a guerra que pensavam que seria necessária para derrubar João Goulart.
A reportagem revisitará o triste capítulo da tortura, com prisões e desaparecimentos e um documento inédito que confirma oficialmente a existência dos chamados “arrancadores de unha” entre os repressores.
Por fim, o próprio papel do Estadão no movimento de 64 e no período da ditadura militar, com o apoio inicial à derrubada de Jango, mas com o rompimento quando da decretação do Ato Institucional nº 2, que impediu a realização das eleições marcadas para 1965. Uma atuação de combate ao regime e luta contra a mordaça imposta ao jornal nos períodos mais agudos da ditadura e contra o arbítrio do regime que reinou no País por 20 longos anos, até a redemocratização.
Cronograma de publicação de reportagens:
Quinta-feira, 28/3 – A história da conspiração que uniu militares, empresários e políticos no Rio e em São Paulo e a aquisição de armamentos para derrubar João Goulart
Sexta-feira, 29/3 – As prisões e desaparecimentos e o caso dos ‘arrancadores de unha’, cuja existência foi oficialmente registrada em documento inédito que o Estadão publica
Sábado, 30/3 – Os militares na história, a batalha de poder e o debate sobre como lidar com a forte presença de integrantes das Forças Armadas no governo ontem e hoje
Domingo 31/3 – Estadão e 1964 – Como o Estadão rompeu com o regime em 1965, após o AI-2, e foi respondido com censura e arbítrio pelo poder militar
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