Não faz mal nenhum beber um shot a meio de um jogo do Europeu. Tem é que ser de picles
Retirar os vegetais do frasco dos picles e beber o líquido pode ajudar um futebolista (profissional ou não) a aguentar um jogo do início ao fim. Os jogadores (como Trippier, da Inglaterra) estão a recorrer a este tipo de suplementos para reduzirem a intensidade das cãibras na parte final dos encontros numa das várias mezinhas que podem ser úteis durante um Euro. O sumo de cereja azeda, por exemplo, ajuda a melhorar a qualidade do sono e facilita o descanso
Não faz mal nenhum beber um shot a meio de um jogo do Europeu. Tem é que ser de picles
Pode-se engolir ou até basta bochechar. O sabor agudo, ácido – muito forte, um pouco salgado até –, satura as papilas gustativas. Não é a melhor bebida para ter na mesa a acompanhar um repasto e pode arruinar até os esforços de confeção num bom prato principal. Os jogadores de futebol também não andam com eles para todo o lado, mas os shots de picles podem ser uma ajuda em situações de emergência.
Contra a Sérvia, Kieran Trippier estatelou-se no relvado. Os alongamentos revelavam alguma falta de óleo nos músculos desgastados por praticamente 90 minutos de futebol. Apesar de se tratar da estreia da Inglaterra no Euro 2024, a época não abundou em tempos mortos. O lateral foi assistido fora do campo e voltou como novo. Enquanto esteve a testar a ductilidade das pernas, o jogador do Newcastle ingeriu um líquido que lhe devolveu a frescura para os minutos finais.
A julgar pelo que foi difundido na generalidade da imprensa inglesa, tratava-se de sumo de picles. Não é de admirar. Tem sido uma estratégia utilizada aos olhos de todos noutras modalidades. No ténis, Carlos Alcaraz foi visto a pedir reabastecimento desta poção enquanto defrontava Jannik Sinner na meia-final de Roland-Garros.
“Não está completamente massificado, mas estamos a caminhar nesse sentido.” Gonçalo Abreu Fernandes é nutricionista do Benfica. Trabalha essencialmente com as equipas de formação e com a equipa B. “O shot de picles pode reduzir a intensidade e duração da cãibra de forma imediata”, explica à Tribuna Expresso
O suplemento dado aos atletas é comercializado sob a designação de pickle juice e vendido em garrafas com componentes adicionais. A base é literalmente o líquido que rega os vegetais no frasco dos picles. Aliás, esta pode ser uma solução para quem só se junta ao fim do dia para jogar futebol com os amigos no campo da esquina. Retirar o combinado de pepinos, couves-flores e cenouras do recipiente e beber a aguada remanescência é suficiente para fugir às cãibras.
Gonçalo Abreu Fernandes refere que o shot de picles “ainda não tem grande evidência científica” devido à dificuldade que “há em simular uma cãibra em laboratório”. Os benefícios do suplemento são sustentados pelo feedback dos atletas.
“Quando se ingere o shot de picles, o que se pensa que vai acontecer é que o ácido acético que há no sumo de picles, que é o mesmo ácido que tem o vinagre, vai ter uma ação em setores celulares que temos na zona da boca e do esófago. Esse ácido vai impedir a passagem de alguns neurotransmissores para os neurónios motores, que estão relacionados com a atividade muscular. Ao impedir que os neurotransmissores cheguem lá, a excitabilidade dos músculos vai diminuir e, consequentemente, a intensidade da cãibra que pode mesmo desaparecer”, elabora o nutricionista do Benfica.
As cãibras podem ter origem em vários fatores. “Cansaço, fadiga, falta de habituação do músculo ao estímulo que está a existir naquele momento, temperatura, humidade e desidratação” são aqueles que Gonçalo Abreu Fernandes destaca. Normalmente, o shot de picles só se “usa em SOS”, ou seja, quando o formigueiro ataca. Porém, em jogadores com histórico de terem cãibras, “pode ser vantajoso tomar antes de iniciar o esforço”.
Como qualquer outro suplemento, a utilidade do shot de picles depende de atleta para atleta. Num cenário ideal, até a dose (1ml/kg) devia ser ajustada a cada jogador. Para já, segundo o especialista, “não há nada que demonstre se ajuda ou não ajuda na recuperação”.
Cereja azeda para dormir bem: também pode ajudar a ganhar um Euro assim
Numa competição condensada em apenas um mês, cada equipa preocupa-se com a recuperação dos seus jogadores. Especialistas dedicados a colocar tento na língua a cada elemento do plantel ajudam no controlo da comida que é servida no buffet. “As estratégias nutricionais são chave. Podemos garantir a recuperação das reservas energéticas e musculares que são gastas durante 90 ou, eventualmente, 120 minutos, através da ingestão de quantidades adequadas de hidratos de carbono. Também ajuda na parte da recuperação muscular a ingestão de boas quantidades de proteína”, refere Gonçalo Abreu Fernandes.
O entusiasmo e a ansiedade podem trazer outro tipo de preocupações. Dormir nem sempre é fácil quando as emoções estão à flor da pele. Como para quase tudo na vida, existe uma solução. O nutricionista destaca “maneiras para promover a melhor qualidade do sono através da suplementação” que passam pela “ingestão de sumo de cereja azeda ou de cápsulas de Ómega 3”.
A importância do Euro 2024 não dá margem de manobra para se quebrarem linhas vermelhas na alimentação. Na perspetiva de Gonçalo, os nutricionistas que acompanham as seleções têm o “grande desafio” de “conciliar os gostos dos atletas com as refeições consideradas mais adequadas” para a obtenção da “performance desportiva que se deseja”. Ainda assim, “se o prato preferido do atleta for uma pizza, não lhe vamos propor que coma uma pizza da Telepizza ou da Pizza Hut, mas, se calhar, conseguimos o meio-termo através de uma receita elaborada” com os ingredientes definidos pelos membros do staff de acordo com o que “está a apetecer naquele momento” ao jogador.