‘As novilhas saíram nadando’: o recomeço dos agricultores gaúchos após perda da safra e dos animais

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ENVIADOS ESPECIAIS A ESTRELA E CAXIAS DO SUL (RS) - As mãos calejadas pelo trabalho na terra secam as lágrimas de Nair Finn, de 66 anos, agricultora do Vale do Caí, no Rio Grande do Sul. A alguns quilômetros dali, Geraldo Maders, de 77 anos, produtor rural do Vale do Taquari, faz o mesmo. Em comum, além do gesto e das lágrimas, os gaúchos carregam uma história de gerações na lida no campo e a tristeza de verem tudo destruído pelas enchentes que atingiram o Estado.

Durante dois dias, o Estadão percorreu a zona rural dos municípios de Estrela e Caxias do Sul e conversou com famílias que há dezenas de anos tiram da terra o próprio sustento. Responsáveis por abastecer escolas, hospitais e mercados com seus produtos, os pequenos agricultores viram suas plantações serem devastadas pelas águas dos rios ou apodrecerem no pé devido à chuva torrencial.

‘as novilhas saíram nadando’: o recomeço dos agricultores gaúchos após perda da safra e dos animais

'O que estava na terra foi embora. A gente não vê onde estava plantado aipim, onde estava plantada batata doce, onde estavam as verduras. Nada, nada, nada”, diz Nair Foto: Wilton Junior/Estadão

Nair Finn vive e planta em uma pequena propriedade em Linha Sebastopol, às margens do Rio Caí, no município de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha. Desde que se conhece por gente, viu mandiocas, vagens, alfaces, acelgas, espinafres nascerem das mãos de sua família. No início do mês, quando as chuvas caíram sobre a serra, desbarrancando morros e sobrecarregando os rios, ela e o marido, Clério, saíram às pressas de casa durante a madrugada, levando o que podiam dentro do caminhão. Bem mais valioso dos Finn, a terra fértil, ficou sob as águas.

“O que estava na terra foi embora. A gente não vê onde estava plantado aipim, onde estava plantada batata doce, onde estavam as verduras. Nada, nada, nada”, diz Nair. ”Por onde começamos? O que vamos fazer? Como vamos fazer? Essa pergunta eu também me faço.”

Recomeço

O recomeço é ainda mais complexo para aqueles que depois de uma vida toda de trabalho esperavam chegar na velhice com um pouco de tranquilidade. Contrariando as expectativas, homens e mulheres do campo agora reavaliam até mesmo a própria permanência nas terras que sempre cultivaram.

“Eu tenho medo de ficar. O Rio Caí é traiçoeiro”, desabafa Nair.

A Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul (CAAF) estima que 90% da produção da região tenha sido perdida. Com isso, a previsão é de que esses pequenos produtores sofram com a falta de renda por até quatro meses.

A agricultura familiar é responsável por abastecer pelo menos 205 escolas da Serra Gaúcha e da região metropolitana de Porto Alegre. Além disso, esses produtores também vendem alimentos para a merenda de outros Estados, como São Paulo e Paraná.

A família Seefeld ficou ilhada e viveu momentos de desespero quando morros começaram a cair nas redondezas da propriedade. Sem luz, auxiliaram no resgate de um vizinho doente enquanto escutavam a terra ceder ao redor.

Quando as águas baixaram e a gravidade da situação foi atenuando, viram parte da roça destruída. Todas as beterrabas prestes a serem colhidas foram rio abaixo, assim como outros legumes e verduras cultivados pela família. Considerando equipamentos usados no cultivo e a perda da safra, estimam um prejuízo de cerca de R$ 50 mil.

“Não é um dia, um ano de trabalho. São anos dedicados a deixar a propriedade do jeito que estava. Aí chegar de manhã cedo e ver que a força da natureza levou tudo embora... O cara pensa às vezes em desistir. A renda total nossa é só essa. Só dependemos da agricultura familiar. Meu bisavô, meu avô, meu pai e eu trabalhamos com isso. É a quarta geração”, conta Jeferson Seefeld, 32 anos.

‘as novilhas saíram nadando’: o recomeço dos agricultores gaúchos após perda da safra e dos animais

A família Seefeld ficou ilhada e viveu momentos de desespero quando morros começaram a cair nas redondezas da propriedade Foto: Wilton Junior/Estadão

O governo federal anunciou um crédito de R$ 1 bilhão para a agricultura familiar. Com isso, os pequenos produtores que participam do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) terão direito a refinanciamentos de até 120 meses, com carência de 36 meses. Essas famílias estarão submetidas a uma taxa de 0% de juro, ou seja, o valor pago será o mesmo emprestado, sem acréscimo.

“Tem que pensar também em encontrar uma forma de reanimar esses agricultores, porque são eles que vão produzir o alimento, se não vamos entrar em uma crise de abastecimento”, afirma o gerente administrativo da Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul (CAAF), Marcos Regelin.

Em outra parte do Estado, na zona rural do município de Estrela, no Vale do Taquari, o desânimo tomou conta dos agricultores. Não tinha como ser diferente. A paisagem mudou drasticamente desde que o rio desrespeitou sua própria curva e invadiu celeiros e plantações arrastando consigo alimentos e animais. As cenas do desterro ainda estão na cabeça de José Luís Mallmann, 67 anos.

“As novilhas saíram nadando. Uma começou a nadar em volta da casa e desapareceu, morreu. Isso dói”, lembra.

José tinha 23 vacas e perdeu mais da metade. Ele decidiu vender as que sobraram para um produtor cuja propriedade é numa região mais alta. Com isso, o negócio que sustentou seus filhos deixa de existir. Agora, ele pretende se dedicar somente à produção de grãos.

De acordo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetag-RS), mais da metade dos produtores de leite do Estado foram afetados de alguma forma pela chuva, causando uma redução de 15% no volume de leite por conta da dificuldade de captação.

“Eu resolvi vender logo, porque está tudo destruído aqui. Há quase 40 anos trabalhava com leite e agora resolvemos parar. É muito difícil reconstruir”, lamenta.

‘as novilhas saíram nadando’: o recomeço dos agricultores gaúchos após perda da safra e dos animais

'Eu resolvi vender logo, porque está tudo destruído aqui. Há quase 40 anos trabalhava com leite e agora resolvemos parar. É muito difícil reconstruir', lamenta José Luís Mallmann (à esq.) Foto: Wilton Junior/Estadão

Seu filho, Fernando Mallmann, 40 anos, define o que aconteceu como um “triste fim”. Assim como o pai, ele vive do que produz às margens do rio Taquari. Apesar da tristeza, Fernando olha para o que restou e reflete: “Nós ainda temos uma casa para limpar, os outros não têm”, diz.

Desde que as chuvas ceifaram vidas na região, ele tem evitado determinados pontos da fazenda onde as águas são barradas por árvores e normalmente aparecem animais mortos após a chuvas.

“Pode ter corpos de pessoas também. A gente vai evitar ir para lá ”, conta Fernando.

‘as novilhas saíram nadando’: o recomeço dos agricultores gaúchos após perda da safra e dos animais

Agricultores lamentam perdas decorrentes da enchente Foto: Wilton Junior/Estadão

Os Maders também limpavam a casa inundada quando pararam para conversar com a reportagem. Donos de uma microempresa de melado, Geraldo, de 77 anos, e Ivone, de 75 anos, tentavam botar em ordem o que restou no mundo exterior mesmo nitidamente bagunçados por dentro.

A pequena sala onde produziam o melado foi tomada pela água e tachos enormes de ferro foram levados como pluma. O mesmo aconteceu com o carro da família, encontrado dias depois metros rio abaixo. A dor de ver o serviço de uma vida se esvair estava engasgada em Geraldo.

“Deus nos deu uma cruz muito pesada para carregar”, disse enquanto secava os olhos com as mãos.

Toda a riqueza que tinham na frente de casa, onde um frondoso canavial coloria a beira da estrada e fornecia a matéria-prima para o sustento da família, foi roubada pela força das mudanças climáticas. Em meio aos pés de cana tombados pela enchente, entulhos terminavam de amassar o que restou da convivência harmônica entre o homem e o campo.

“Está tudo morto”, lamentou Geraldo.

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'Deus nos deu uma cruz muito pesada para carregar', diz Geraldo Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, o tamanho do impacto das chuvas na atividade ainda está sendo mensurado pela pasta, já que ainda há muitas áreas alagadas.

A pasta afirmou que todas as dívidas de crédito rural foram suspensas por 105 dias em municípios com decretação de emergência ou calamidade pública. O governo também editou uma portaria para permitir por 90 dias a comercialização de produtos de origem animal para outros Estados.

A Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) estima que na região de Lajeado cerca de 40 hectares de cultivo de hortaliças tenham sido perdidos.

Relatório da Emater mostra uma série de danos à agropecuária em todo Estado. Além da perda de plantações, o que sobrou é de baixa qualidade, com grãos mofados e mal desenvolvidos, “elevando o risco de presença de toxinas altamente prejudiciais para humanos e animais”, diz o documento.

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Na região de Arroio do Ouro, em Estrela, mesmo aqueles que não tinham a agricultura como fonte principal de renda traziam a atividade como uma parte de si. É o caso de José Tomás Mallmann, de 75 anos Foto: Wilton Junior/Estadão

Olhar uma terra que sempre foi fértil tingida de morte seria custoso para qualquer pessoa, mais ainda para quem desenvolveu com o solo uma relação familiar. Na região de Arroio do Ouro, em Estrela, mesmo aqueles que não tinham a agricultura como fonte principal de renda traziam a atividade como uma parte de si. É o caso de José Tomás Mallmann, de 75 anos. Aposentado com uma renda baixa, a produção de 120 sacos de milho por mês tinha como destino certo arcar com as despesas de saúde.

“Eu preciso de muitos remédios, já fui quatro vezes operado do coração. Tu precisa plantar, porque a nossa aposentadoria está caindo”, diz ele, que está morando de favor na casa de um parente de sua mulher.

Antes da enchente, a plantação de milho que rodeava a casa impunha sua presença como se fosse um membro da família. Agora, os restos imprimem um aspecto triste ao local.

“Já perdi três colheitas aqui. Afogaram. Chove e os milhos ficam mais de uma semana debaixo d’água”, relata.

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