A fantasia de Nico Williams termina com a epopeia da Geórgia e marca um escaldante Alemanha-Espanha
Os estreantes do Europeu até marcaram primeiro, mas depois a arte do extremo do Athletic foi a protagonista do triunfo espanhol (4-1). Nico assistiu Rodri para o 1-1 e apontou ele próprio o 3-1. Pelo meio, o outro driblador mágico, Lamine Yamal, serviu Fabián Ruiz para o 2-1
A fantasia de Nico Williams termina com a epopeia da Geórgia e marca um escaldante Alemanha-Espanha
Parecia não haver espaços no relvado de Colónia. A Geórgia defendia e defendia, recuava, encostava-se à sua baliza. O guião que já sabíamos que a equipa de Sagnol tinha só se reforçou com o 1-0, obtido aos 18'. Defender, fechar, tornar o jogo de Espanha num exercício de procura pelos buracos que não existiam.
Nico Williams viu isto e aceitou o desafio. Desfrutou com ele, riu-se do nível de dificuldade. Fintou, sim, mas abrindo caminhos não só para ele, como também para os outros. Atraiu atenções, soltou, foi, simultaneamente, protagonista e auxiliar, ator principal e scundário.
Parecia não haver espaços no relvado de Colónia. Nico Williams inventou-os.
Pouco antes do Espanha-Geórgia, vimos, em Gelsenkirchen, como há equipas que limitam o talento. Em Colónia, vimos um coletivo que o potencia, multiplica. Sim, há o desequilíbrio de Nico e Lamine nas alas. Mas uma circulação que beneficia a situação em que eles são melhores, há movimentos que lhes limpam o espaço para o duelo, há uma engrenagem que os favorece. Há o talento deles multiplicado.
Os médios de antes como os dribladores de agora. Pedri e Rodri, a ligação do passado com o presente, Yamal e Williams, a conexão do futuro com o presente. Depois do susto que foi o 1-0 da Geórgia, Espanha, após alguns minutos de incerteza, assentou a força do seu ADN para dar a volta.
O 4-1 traduz a diferença entre as equipas, mas não as facilidades da partida. Poderia ter sido uma noite de pesadelo para Espanha dentro da epopeia da Geórgia, uma das histórias de êxito deste Europeu. Mas a magia de Nico Williams superiorizou-se ao conto de fadas da Geórgia, como se isto tivesse sido um filme de fantasia, de super-heróis. Nico marcou, assistiu, foi protagonista.
Espanha está nos quartos de final, onde defrontará a Alemanha. Será em Estugarda, a 5 de julho (sexta-feira). Poderia bem ser em Berlim, dia 14.
O remate de Nico para o 3-1
Antes da remontada, a Geórgia prolongou a sua euforia. Não nos enganemos, Espanha começou bem. Rodando rapidamente a bola, com variabilidade de movimentos, com a agressividade de Pedri e Fabián, com a ameaça de Nico e Lamine, tão prontos para o drible como para fixar o defesa e soltar, explorando a atenção que atraíram.
Pedri e Carvajal foram as primeiras vítimas do muro que vive em Giorgi Mamardashvili. Nos primeiros 17', Espanha teve 85% de posse e rematou oito vezes — contra zero da Geórgia. Toda a equipa da Geórgia trocou 30 passes, menos do que o total de Laporte (39).
E, ao 18.º minuto, a Geórgia marcou. Sem rematar. Numa saída rápida, Mikautadze lançou Kakabadze na direita. O lateral avançou e cruzou, com Le Normand, incomodado por Khvicha Kvaratskhelia, a marcar na própria baliza. Sem rematar, a Geórgia estava a ganhar.
Em teoria, Espanha só tinha de continuar a fazer o mesmo. Mas estar a perder trouxe, naturalmente, alguma ansiedade, alguma pressa, menos discernimento.
A Geórgia era toda entusiasmo. Apoiada pelo já clássico ruidoso público, a equipa de Sagnol defendia-se com bravura, assentando nos seus dois maiores argumentos competitivos, mais fortes do que o estado de euforia ou a solidariedade coletiva: Mamardashvili e Kvaratskhelia.
O primeiro para defender, evitando golos de Pedri, Nico Williams e Cucurella, o segundo para permitir aos estreantes na prova respirar, sair, ameaçar. Ver o craque do Nápoles sair em condução, ganhando faltas e metros, é como ver um cavaleiro solitário contra o mundo, um bendito louco disposto a lutar contra todos pela causa que defende. O Euro 2024 elevará Mamardashvili e Kvaratskhelia a heróis nacionais.
A Geórgia festeja o auto-golo de Le Normand
Passado o efeito da euforia da Geórgia, apareceu Nico Williams. Talvez o mais impressionante no craque do Ahtletic não sejam os dribles supersónicos, a facilidade e rapidez com que conduz a bola, o protagonismo que assume. Quiçá o mais impressionante seja a forma como, a todo a velocidade e no meio de florestas de pernas, levanta a cabeça, decide com discernimento, abre caminhos para os demais.
Foi assim que, aos 39', assistiu Rodri, médio sempre para dar um passo à frente nos grandes momentos. 1-1. O intervalo chegava com 16-2 em remates, mas a igualdade acalmava la roja.
No arranque da etapa complementar, Kvaratskhelia teve o lance que, a dar golo, levaria a que tivesse de ser erguida uma estátua em sua homenagem na Geórgia. A uns 50 metros de Unai Simón, detetou o adiantamento do guardião espanhol e, em vez de tentar o balão, tentou que o remate contornasse o basco. Passou pertíssimo do poste direito.
Mas seria outro criativo a conseguir levar a sua equipa par ao 2-1. Lamine Yamal, 16 anos feitos de talento, levou a bola na mão para a cabeça de Fabián Ruiz, que agradeceu.
O remate de Rodri para o 1-1
A combativa Geórgia ainda teve um último lance de perigo, ficando perto do 2-1, mas Tsitaishvili atirou ao lado. Nos últimos 20', os homens de Sagnol foram já um conjunto sem argumentos.
Com espaço, Lamine e Nico divertiram-se. O primeiro desperdiçou vários lances para marcar, mas deixou a sua canhota hipnótica bem marcada em Colónia. O segundo fez o 3-1 com estrondo.
Aos 75', Fabián solicitou a corrida do extremo do Athletic. Nico Williams sprintou, superou o defesa e disparo com potência e convicção. Golo de craque para selar uma grande exibição. Com a Geórgia já derrotada, Dani Olmo, aos 83', fez o 4-1 final.
O auto-golo de Le Normand poderia ter provado uma enorme dor de cabeça para Espanha. Nico Williams sorriu e transformou o incómodo em prazer, em fantasia, em estética. Num aviso à concorrência.