O PS não deve aprovar o Orçamento
O PS nunca votou favoravelmente um Orçamento do PSD ou da AD. Tudo porque o espaço do socialismo democrático e da social democracia é muito diferente do espaço neoliberal e conservador que o PPD/PSD representa em Portugal
O PS não deve aprovar o Orçamento
O país já não ouve o Presidente da República e decidiu esperar até ao início de 2026, porque tem de ser, para se ver livre dele.
E não ouve porque Marcelo defenestrou a função presidencial, invadiu o espaço de cada cidadão, fez de cada português uma criança no seu entendimento sobre a política corrente e sobre o que deve ser a nossa prática democrática.
Há meses que o inquilino de Belém vem falando do próximo Orçamento do Estado. Toda a sua ladainha vai no sentido de obrigar o PS a aprovar o que não conhece, a aceitar o que não pode aceitar.
Marcelo, como Marques Mendes, vão dizendo que entre 1996 e 1999 aprovaram três Orçamentos do Estado por estar em causa o interesse do país, em especial a nossa adesão ao Euro. Esses ditos passaram a ser uma verdade, mas quem viveu por dentro esses tempos sabe que não são mais do que ficção.
Marcelo sucedeu a Nogueira e este a Cavaco. Depois de 10 anos de poder laranja, o PPD/PSD já não podia com uma gata pelo rabo. Num congresso em que Cristo desceu à terra, o professor/comentador foi eleito líder. Mas nunca teve paz em nenhum dos seus dias. Chegou mesmo a exigir maioria qualificada nas votações em Congresso para se manter, fez uma Aliança Democrática que Portas andou a boicotar e, por fim, demitiu-se e veio Durão Barroso para ser a cara nas eleições de 1999.
Nesses dias do primeiro Governo de Guterres, entre o gabinete de Almeida Santos e o de António Costa, era bom de ver que as negociações de Mendes, o líder parlamentar de Marcelo, não eram mais do que umas medidas simbólicas a que Jorge Coelho dava a seguinte designação – merdices.
Importa regressar a esse tempo, um quarto de século depois, para retirar ao Presidente o argumento de que o maior partido da oposição já fez fretes ao partido do governo.
Como também importa lembrar que Marcelo não foi tido nem achado quando, perante o chumbo do Orçamento de 2021, ninguém quis saber do que ele dizia e o país foi para eleições.
A democracia de 50 anos em que vivemos é assente no diálogo parlamentar e não numa relação tríplice que faça do Presidente um agente político entre partidos.
Este comportamento de Marcelo, que vai para além de toda a elasticidade constitucional, criou um dano muito sério nos últimos oito anos e minimizou o apreço que o povo português faz do Presidente. Um Chefe do Estado não pode ser uma espécie de infantilóide que se mete em tudo, que invade tudo, que até nega a sua própria família por não ter a coragem e a humildade de pedir desculpa.
Foi convocado um Conselho de Estado. Nunca este órgão foi tão laranja quanto o é hoje. Está visto, vamos ter uma procissão de velhos do Restelo a pedir pelas almas que não venha o diabo, que o Orçamento seja aprovado. Claro está, com a abstenção do PS.
O PS nunca votou favoravelmente um Orçamento do PSD ou da AD. Tudo porque o espaço do socialismo democrático e da social democracia é muito diferente do espaço neoliberal e conservador que o PPD/PSD representa em Portugal. E não pode ser agora que ao PS, num tempo em que se impõe, mais do que nunca, clareza, se exige essa “prenda” para Luis Montenegro.
Mesmo uma abstenção é uma posição contranatura, uma vez que a atual liderança do PS nunca aceitou as iniciativas de António José Seguro, no debate do OE de 2012 e perante a presença da Troika, quando propunha uma abstenção violenta.
Há comentadores que vão falando de outros países onde os principais partidos aprovam orçamentos uns dos outros. É tudo verdade. Mas nesses países o Governo toma a iniciativa política, tem uma presença humilde perante os deputados, vai além dos orçamentos e faz aprovar iniciativas amplas das oposições. Em Portugal, o PPD/PSD não tem essa genética.
Há quem diga que Montenegro está a seguir a estratégia de Cavaco entre 1985 e 1987. Nada de mais errado. O que o primeiro-ministro está a fazer é seguir a estratégia de Sá Carneiro em 1980 e que deu a segunda maioria absoluta à primeira Aliança Democrática.
Tal caminho pode ver-se na política espetáculo, no gasto em pessoal político, nas nomeações apressadas para lugares relevantes onde há dinheiro para gastar sem critério – emprego, segurança social, fundos europeus. E esse não é o perfil das tais democracias onde a oposição aprova orçamentos.
Por outro lado, o PS não poderá nunca partilhar as grandes linhas de política fiscal do atual Governo, como o Governo não pode aceitar as opções tributárias do PS. E é aqui que tudo se faz impossível.
Mas se é tão simples assim, por que tem o PS permitido que lhe vistam uma camisa de sete varas de onde não parece querer sair?
Por três razões: 1ª o combate no parlamento não é o combate nas ruas e nas ruas a mensagem do PS não tem passado; 2ª qualquer posição sobre os orçamentos, com voto de viabilização ou de oposição, exige um trabalho de pedagogia em todos os setores, um partido mobilizado para explicar, o que não se antevê; 3ª o PS não pode ser um partido sem fazedores de opinião que saibam interpretar as razões de uma qualquer posição.
E é por isso que militantes, autarcas e até quadros relevantes, que estando em altos cargos públicos e acham que se vão salvar dos saneamentos que aí virão, apelam à menorização da história do PS, à desgraduação da sua autonomia estratégica e à sua posição de partido que pode voltar a ser governo ao virar da esquina.
Por tudo isto, o PS não pode e não deve aprovar o Orçamento para 2025.