A carta de Aguiar-Branco: só o povo tem “arma” contra discurso de ódio
Num documento em que faz uma espécie de defesa de honra, o presidente da Assembleia da República rejeitou o papel de “guardião” do discurso usado no Parlamento.
A carta de Aguiar-Branco: só o povo tem “arma” contra discurso de ódio
O presidente da Assembleia da República defende que não pode ser o “guardião do aceitável e do politicamente correto” e que só ao povo cabe julgar os deputados, através da “arma” do voto.
José Pedro Aguiar-Branco redigiu um documento a que chamou “A liberdade de expressão: uma “superliberdade” de proteção máxima e de restrição mínima”, no qual sustenta a decisão de permitir que os deputados tenham discursos de ódio na Assembleia da República.
A polémica em torno deste tema estalou depois de André Ventura ter afirmado, no Parlamento, que o povo turco trabalha pouco. Na altura, outras bancadas parlamentares questionaram o presidente da Assembleia da República, sobre se podem os deputados fazer declarações ou xenófobas em plenário - com Aguiar-Branco a responder que sim.
No documento que agora redige, o presidente da Assembleia da República reconhece que a Constituição proclama a liberdade de expressão e impede a censura, e sublinha que os deputados “beneficiam de um reforço” dessa liberdade, no exercício das funções parlamentares.
Aguiar-Branco afirma, por isso, que não se pode “inibir qualquer deputado democraticamente eleito de exprimir a sua vontade ou opinião, no exercício das funções, pelo receio de estar a praticar um crime”.
“Constituindo a liberdade de expressão (...) um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, esta vale também para as informações ou ideias que melindram, chocam ou inquietam”, alega o presidente da Assembleia da República.
José Pedro Aguiar-Branco admite, contudo, que a liberdade de expressão não é um “direito absoluto”, e que, no plano político ou social, o exercício dessa liberdade pode motivar contestação e crítica - além de consequências no plano criminal. Ainda assim, sustenta que não é papel que caiba ao presidente da Assembleia da República.
“Não pode, em momento algum, o presidente da Assembleia da República substituir-se ao Tribunal”, defende.
Aguiar-Branco descarta, assim, qualquer responsabilidade na “avaliação da bondade do discurso político” dos deputados, recusando “instituir uma cultura de cancelamento linguístico” ou assumir-se como “guardião do aceitável e do politicamente correto”.
Ao presidente da Assembleia da República, refere, cabe apenas evitar que, no debate político, haja “injúrias, ofensas ou ameaças entre os intervenientes”.
“Numa sociedade democrática e plural, (...) a avaliação do discurso político faz-se com recurso a argumentos e com a confrontação objetiva da verdade dos factos. Nunca por via da imposição de silêncio ou de censura que, quando começa, nunca se sabe onde pode acabar”, declara. “Apenas ao povo cabe apreciar e julgar através da arma que dispõe: o voto.”
Recorde-se que Aguiar-Branco propôs, esta quarta-feira, que, na sequência de uma revisão do regimento, seja criado um voto de repúdio ou rejeição, perante um insulto ou uma injúria, que será votado quase de imediato.