“Não deixar ninguém para trás”: visitas de gerontóloga contrariam isolamento de idosos em Arouca
Jogos para exercitar a memória, fazer alongamentos ou apenas conversar: as atividades dinamizadas por uma gerontóloga com arouquenses com mais de 65 anos que vivem sós ou estão mais frágeis são adaptadas às vontades e características de cada um. Alguns dos intervenientes do projeto “Visitas Extraordinárias”, iniciado este ano pela câmara municipal, contam ao Expresso como tem decorrido o trabalho para proporcionar melhor qualidade de vida à população mais velha
“Não deixar ninguém para trás”: visitas de gerontóloga contrariam isolamento de idosos em Arouca
Ainda antes de chegar o momento de receber a “menina” Tânia, Emília aguarda com expectativa porque sabe que “nesse dia conversa e distrai-se”. É por isso que a septuagenária, residente em Arouca, no distrito de Aveiro, “está a contar sempre com a visita” da gerontóloga.
Aos 71 anos, Emília tem limitações de mobilidade e o marido, Adriano (74), sofreu um AVC que perturbou a fala e os movimentos. Além de contar com o apoio de uma cuidadora, o casal está integrado no projeto “Visitas Extraordinárias”, lançado pela câmara municipal no início do ano. A ideia surgiu da necessidade de “dar resposta” às pessoas com mais de 65 anos que se encontram “em situação de dependência e que estão mais isoladas”, explica ao Expresso a presidente, Margarida Belém.
Uma solução particularmente importante num “território muito disperso”, com 16 freguesias, ainda mais após a pandemia de covid-19, período que deixou “uma grande lição e uma grande preocupação de não deixar ninguém para trás e garantir que os seniores que estão sós tenham qualidade de vida e que se mantenham no seu meio natural”, declara a autarca. “Têm dificuldade em sair. Já que não podem vir a nós, vai o município – nesta lógica de proximidade – ter com eles”, resume.
Até ao momento, já decorreram 183 visitas e estão abrangidas 23 pessoas: cada uma usufrui, no total, de dez sessões de 60 minutos. O objetivo é chegar pelo menos a 60 beneficiários até ao final da iniciativa, que tem duração prevista até dezembro de 2025 e conta com financiamento no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
“Nunca faço atividades iguais. Há pessoas que gostam de fazer atividades e outras que gostam simplesmente de falar e é isso que querem. Vai tudo ao encontro dos gostos pessoais de cada utente. Passa muito por atividades de estimulação cognitiva, com alguns jogos, e também de estimulação sensorial e física”, indica a gerontóloga Tânia Brandão. O trabalho envolve “um grau muito grande de personalização”, adaptando-se “à realidade, necessidades, vivências e interesses de cada um”, sublinha Margarida Belém.
Emília gosta de praticar “um bocado de tudo”, desde fazer contas, exercícios com a bola terapêutica, alongamentos ou simplesmente falar. “Já há muito ano que andei na escola, mas ainda me lembro. Sei a tabuada toda”, relata. No caso do marido, mesmo com limitações, tem sido “muito bom” pela possibilidade de fazer alguma atividade física. A cuidadora do casal “também participa”, refere Tânia Brandão, uma vez que faz parte dos objetivos do projeto contribuir para a capacitação dos profissionais, de forma a “poderem dar continuidade a estas atividades”.
“É pena ser só dez sessões”, lamenta Emília, ao calcular que resta apenas mais uma visita. “O ideal seria dar continuidade, nem que fosse uma visita pelo menos de 15 em 15 dias”, concorda a gerontóloga. “Ficam todos muito tristes quando estamos a chegar ao fim. Primeiro estranha-se, depois entranha-se: primeiro sou uma pessoa estranha, estou a entrar na casa deles, é normal. Mas depois, quando estamos já quase no fim, é quando já há cumplicidade e à vontade.”
A possibilidade de o projeto continuar está em cima da mesa, dado o “sucesso” e “aceitação”, que tem sido “uma surpresa”, classifica a presidente da câmara, salientando a importância deste “investimento nas pessoas”. “Não há fórmulas exatas, mas a ciência comprova que a adoção destas medidas de proximidade, de dar atenção aos seniores e estimular hábitos saudáveis, mas acima de tudo estas relações sociais e vínculos emocionais são muito importantes para a qualidade de vida e para ter longevidade e uma garantia de viver mais, mas viver feliz”, afirma Margarida Belém.
O acompanhamento tem conduzido a melhorias “a nível social, o querer conviver”, aponta Tânia Brandão. “Noto que há pessoas que, no início, tinham vizinhos e não conviviam com eles. E desde que iniciei as atividades e comecei a ‘puxá-los’ um bocadinho para fora, passaram a conviver com outras pessoas também”, exemplifica a gerontóloga. A “forma de comunicar” também é “muito diferente”, com “mais abertura”, depois de se construir uma relação de confiança. “As pessoas ficam a aguardar alguns assuntos para tratar comigo na semana seguinte”, ilustra.