Falta apoio da ala política do governo à agenda de Haddad e Tebet, diz Mansueto Almeida

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Especialista em contas públicas e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida faz, em entrevista à Folha de S.Paulo, um duro diagnóstico da crise de credibilidade sobre as contas públicas do governo, que já dura dois meses e tem provocado a disparada do dólar e o aumento das expectativas de inflação no Brasil.

Mansueto diz que falta uma mensagem com convicção da ala política do governo de apoio aos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) às medidas de corte de gastos e compromisso de que o teto de gastos do novo arcabouço não não será alterado.

"O ministro Haddad tem dado mensagens boas, ele cresceu ao longo do tempo, e ele é uma pessoa do PT e muito ligada ao Lula, o que significa que ele tem uma certa liberdade com o presidente. Mas o que está faltando é o seguinte: [saber] se há um apoio do governo à agenda econômica dos ministros Haddad e Simone Tebet ou não. E não está claro", diz o economista-chefe do BTG Pactual.

Se a incerteza fiscal persistir, haverá aumento de juros no Brasil, afirma ele, que defende medidas estruturais, mas também outras como a fixação de um teto para a dedução de despesas com saúde no Imposto de Renda.

Sobre as críticas do governo ao mercado, ele responde: "O mercado todo está perdendo muito dinheiro, justamente porque os juros estão subindo, o real está perdendo valor, a Bolsa está caindo. O que o mercado hoje mais torce é que o governo consiga se comunicar melhor e que mostre que vai cumprir com a regra fiscal".

*

Pergunta - O Brasil vive uma crise de credibilidade da política fiscal. O governo fala em terrorismo fiscal e os agentes do mercado financeiro cobram uma resposta. Qual o seu diagnóstico?

Mansueto Almeida - O mercado está questionando a credibilidade do plano fiscal do governo. Vamos lembrar que, no ano passado, mais ou menos no final de março, as coisas começaram a melhorar no Brasil, o governo divulgou o plano fiscal.

Era baseado em duas estratégias. Primeiro, num ajuste de mais ou menos R$ 300 bilhões de reais. Um déficit primário de R$ 200 bilhões no primeiro ano e terminaria o governo com um superávit de R$100 bilhões.

A outra perna do plano era o limite para o crescimento real do gasto de 2,5% real ao ano. O ajuste de R$ 300 bilhões o mercado nunca acreditou, porque era muito grande e baseado num forte aumento de arrecadação. Mas a outra parte do plano, que era o teto para o crescimento do gasto, o mercado acreditou e isso foi fundamental para a melhoria do preço dos ativos.

P. - Quais as razões, então, da crise agora?

M. A. - Como o crescimento de despesa obrigatória é muito forte, com uma parte grande do Orçamento da despesa do governo federal crescendo acima de 2,5%, todo mundo começa a fazer o cálculo e falar que possivelmente eles [o governo] vão ter que cortar a despesa discricionária, o que inclusive significa cortar um pouco também do investimento em 2025 e 2026.

A piora foi que, depois da mudança de meta fiscal, começou-se a questionar: e se eles tiverem problema de cumprir a outra parte da regra fiscal, que é o limite de 2,5%, vão contingenciar, cortar a despesa, mudar a regra do crescimento do gasto ou simplesmente aumentar o teto?

P. - Qual a consequência dessa incerteza?

M. A. - A gente não escutou da ala política do governo nenhuma mensagem com convicção falando que serão mais comedidos com o crescimento da despesa porque tem um limite de 2,5% para ser respeitado. Ninguém escutou absolutamente nada sobre isso.

A ministra Simone Tebet [Planejamento e Orçamento] colocou o debate de desvinculação, e o próprio ministro Fernando Haddad um pouco. Mas da ala política, que é o que importa, ninguém escuta essa mensagem. Toda semana o mercado está puxando para cima a expectativa de inflação e consolidando a tese de que o governo vai mudar a regra fiscal, e isso está fazendo preço. Ficamos oito semanas com a expectativa de inflação de 2024 e 2025 aumentando. São dois meses.

P. - A política fiscal está sangrando, já que são dois meses sem resposta do governo? Qual o risco de continuar nessa trajetória ruim de falta de coordenação de expectativas?

M. A. - Vai depender muito dos sinais do governo. Os efeitos ruins na economia já estão acontecendo. Por exemplo, no início do ano, a corrente majoritária do mercado era de que o ano terminaria com a taxa de juros entre 8,5% a 9,5%. O juro de um dígito era quase que consensual. O cenário era de que a economia se aceleraria ao longo do ano e a gente iria para um segundo semestre bom.

Agora, tem um cenário hoje radicalmente diferente. Tivemos uma surpresa de crescimento no primeiro trimestre, mas o cenário hoje é de juros 10,5%. Alguns começam a apostar num aumento da taxa de juros. A incerteza está impactando a expectativa de inflação, coloca o Banco Central numa situação difícil.

O BC não tem muito o que fazer, não pode reduzir juros com a expectativa de inflação crescendo há dois meses. A gente não escuta o contraponto do governo. Ao contrário, muitas vezes a gente escuta algumas declarações que aumentam ainda mais o risco e a incerteza do mercado.

P. - Se a incerteza fiscal persistir, pode levar até mesmo à alta dos juros?

M. A. - Sem dúvida. Podemos ter uma continuidade de deterioração de expectativa, e isso pode levar a um certo momento que o BC tenha que aumentar a taxa de juros.

P. - Qual o gatilho para interromper a sangria? O presidente Lula disse que não vai fazer as medidas estruturantes…

M. A. - Mesmo que eles não façam uma medida que tenha efeito imediato agora, nos próximos 12 meses, mas [precisa de uma medida] que fosse uma sinalização para depois, alguma coisa de desvinculação [de despesas] para daqui a dois anos, a partir de 2026, o que for, já seria algo que o mercado aceitaria. Mas no curto prazo, eles têm que provar que vão cumprir com os 2,5% de teto do arcabouço.

P. - Como provar isso?

M. A. - O governo sinalizar que de fato vai fazer um contingenciamento preventivo, por exemplo, seria uma medida que mostraria que o governo está disposto a cumprir o teto de 2,5%. Hoje, muita gente questiona até mesmo se o governo não vai tentar alguma medida para burlar a regra fiscal. Esse tipo de dúvida não pode persistir, porque aí vai ficar muito difícil reduzir os juros e o câmbio melhorar.

Se a gente tivesse hoje declaração de ala política falando ‘nós teremos que ser mais comedidos com o crescimento do gasto público, porque tem um teto de 2,5% para ser respeitado’, o mercado imediatamente melhoraria. Só em ter o sinal correto. Mas hoje não tem essa mensagem.

P. - Não tem essa mensagem nem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad? Não é preciso uma fala mais forte dele?

M. A. - A equipe econômica colocou isso em debate. Tem que ficar mais claro o apoio do governo à equipe econômica. A equipe econômica fala das medidas necessárias, mas ela não fala de forma enfática que ‘o teto será cumprido, nós vamos controlar a despesa em tanto, esse programa vai ter que ter um crescimento menor’. Não tem essa mensagem muito clara, porque não tem a mensagem clara também vindo da ala política do governo.

P. - O ministro Haddad perdeu o controle das expectativas?

M. A. - A credibilidade do Ministro da Fazenda é percebida como sendo um apoio que ele tem do presidente da República. O que está agora causando uma grande apreensão no mercado é saber o seguinte: o ministro Haddad, que ganhou credibilidade, que hoje é um ministro muito mais forte do que era no início do governo, continua com um apoio muito grande do Presidente da República para medidas necessárias ou não? Esse apoio não é tão consolidado? Esse apoio é de todo o governo ao Ministro Haddad, à agenda econômica, ou não?

O ministro Haddad, ele tem dado mensagens boas, ele cresceu ao longo do tempo, e ele é uma pessoa do PT e muito ligada ao Lula, o que significa que ele tem uma certa liberdade com o presidente. Mas o que está faltando é o seguinte: [saber] se há um apoio do governo à agenda econômica dos ministros Haddad e Simone Tebet ou não. E não está claro.

P. - Você é economista fiscalista, tem uma memória de números invejável e várias vezes já disse que, se não tiver ajuste pelo lado de gastos, os impostos vão aumentar. Ainda tem espaço para aumentar a carga tributária?

M. A. - Eu acho que não se esgotou. Só que aquela medida do PIS/Cofins [medida provisória que restringiu o uso de créditos] não era uma medida boa. Ainda tem espaço para mudanças no rol de medidas que a gente chama de gasto tributário, benefícios, temos espaço para mudanças.

P. - Quais?

M. A. - Por exemplo, no Brasil há uma diferença muito grande de tributação entre alguém que está com carteira de trabalho registrada e uma pessoa jurídica personalíssima que presta consultoria.

P. - Você está falando da pejotização?

M. A. - Exatamente. A pejotização é algo que ainda precisa passar por mudanças. Tem uma série de regras também que permite às pessoas que o contribuinte abata da sua renda tributável para reduzir o pagamento de imposto, que também não faz muito sentido.

Por exemplo, o que você pode abater com gasto privado de educação tem um limite. Você não pode abater 100% do seu gasto privado com educação, mas em saúde pode. Nenhum país do mundo que você tem sistema público universal de saúde, como o do Brasil, permite ao contribuinte abater 100% do gasto privado com saúde da renda tributável. O Brasil perde R$ 25 bilhões com essa regra. Não é questão de acabar, mas colocar um limite.

Tem uma série de medidas que o governo pode fazer para aumentar a arrecadação. No Brasil, quando você completa 65 anos de idade, automaticamente a sua faixa de isenção de Imposto de Renda, se você é aposentado ou pensionista, dobra. O Brasil perde com essa regra R$ 15 bilhões por ano. São coisas que o governo poderia fazer, como ter regras mais rígidas para o MEI [microempreendedor individual] e para o Simples.

Nada disso é fácil. Tem muita resistência. Mas o governo teria que entrar nessa briga. São medidas estruturais. Mesmo assim, teremos que fazer alguma coisa do lado da despesa.

P. - Onde precisa focar?

M. A. - Hoje, com a vinculação que existe de algumas despesas em relação à arrecadação e dos benefícios assistenciais e previdenciários ao salário mínimo, se der um aumento muito forte e real do salário mínimo, a despesa vai crescer num ritmo que não vai ser compatível com nenhum ajuste fiscal.

P. - Mas esse é um debate que o presidente Lula interditou…

M. A. - Tudo isso o governo tem que discutir, porque é a única forma de ter algum ajuste fiscal no Brasil. Vamos lembrar que 85% do gasto público federal, sem juros, está concentrado em previdência, assistência social, que é a BPC, Loas e Bolsa Família, e saúde, educação e trabalho, que é seguro desemprego e abono salarial. Se você não controlar o crescimento dessas despesas, não tem ajuste fiscal.

P. - O que você faria? O governo deveria rever a política de valorização do salário mínimo? A Folha mostrou que o custo em quatro anos é de R$ 100 bilhões e de R$ 550 bilhões em dez anos.

M. A. - Tem um custo muito alto. O IBGE acabou de divulgar a taxa de desemprego do final de maio, está em 7,1%. A menor desde 2014. A gente está no mercado de trabalho com o crescimento do salário real.

Hoje, a própria dinâmica do mercado de trabalho está puxando o crescimento dos salários. O problema da valorização do salário mínimo, se não há espaço político para o crescimento do salário mínimo ser zero, então vamos pelo menos discutir as várias propostas que têm da correção ser menor.

É um problema matemático. Como é que você vai conciliar 2,5% de teto de despesas, que você tem uma parte grande do Orçamento crescendo acima disso? Não tem muita opção.

P. - O envio do PLDO (Projeto de Lei Orçamentária) de 2025 em agosto é mais um problema para o governo porque faltam receitas e é preciso cortar gastos. Qual é esse buraco nas suas contas?

M. A. - A dificuldade maior que vemos é no próximo ano. Tem uma diferença de 0,5% do PIB que o governo precisa fechar. Possivelmente vai tentar fechar esse 0,5% do PIB com a arrecadação, com alguma coisa na área de receita. Dá mais ou menos R$ 60 bilhões. Mas tem que respeitar o limite de 2,5% do crescimento do gasto.

Dependendo do gasto de Previdência que vai ser realizado esse ano, automaticamente, isso influencia o gasto de Previdência projetado para 2025, porque a base de 2024 será maior. Vai ter que cortar alguma coisa de investimento para também respeitar os 2,5%% de limite de despesa.

P. - Quanto será preciso de corte de despesas?

M. A. - A depender do que acontecer com a Previdência, com essas despesas obrigatórias, talvez ele tenha que fazer um corte aí na casa de R$ 20 bilhões, mas ele vai precisar de arrecadação de mais ou menos 0,5% do PIB.

P. - O presidente Lula chamou de cretinos quem disse que o dólar aumentou por conta da sua fala. Os fiscalistas são acusados de terroristas. Como vê esses ataques?

M. A. - O mercado, na verdade, não é uma, duas, três ou quatro pessoas. São milhares de pessoas, e todo mundo reage à percepção. Não é questão de maldade ou bondade de mercado. Ao contrário, o mercado, no ano passado, reagiu muito bem a um plano fiscal, mesmo sabendo que ao longo desse governo a dívida pública bruta cresceria perto de dez pontos do PIB em quatro anos, e que o ajuste fiscal definitivo ficaria mais à frente.

Não há má vontade, não. Ao contrário, acho que hoje o mercado todo está perdendo muito dinheiro, justamente porque os juros estão subindo, o real está perdendo valor, a Bolsa está caindo. O que o mercado hoje mais torce é para que o governo consiga se comunicar melhor e que mostre que vai cumprir com a regra fiscal.

Se o juro cair, a Bolsa subir e o dólar ficar mais barato, vai ser bom para todo mundo, tanto para o mercado quanto para a economia real. A percepção de que o mercado é cheio de terrorista, que torce contra o governo, é justamente o contrário.

RAIO X | MANSUETO ALMEIDA, 56

É especialista em contas públicas. Ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG Pactual.

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