"A extrema-direita saiu do armário" e os eleitores europeus "já não têm vergonha" nem "medo" de votar nos partidos populistas

Bandeira de França (Associated Press)

Os resultados da primeira volta das legislativas francesas confirmaram uma tendência na Europa para a qual muitos analistas já vinham a alertar. “A extrema-direita saiu do armário, já se assume publicamente como a grande defensora dos ideais e da identidade europeia e virou-se contra a elite dos partidos mainstream”, argumenta à CNN Portugal o politólogo José Filipe Pinto, especialista em movimentos extremistas e populistas.

Isto prova que os eleitores que votam nos partidos de extrema-direita "já não o fazem como um voto de protesto, mas sim por convicção", sublinha Jorge Botelho Moniz, especialista em Ciência Política e assuntos europeus. "Nem que seja a convicção de que é preciso algo novo, mas é um voto de convicção", reforça.

Um dos editoriais desta segunda-feira, do jornal espanhol El Mundo, diz que as eleições francesas confirmam que "o centro social perdeu o medo de votar na extrema-direita", ou seja, estamos perante "o colapso do centrismo".

Em França, "o macronismo, isto é, o centro, tornou-se 'a besta negra'", explica Jorge Botelho Moniz. "Ou seja, o centro é que se tornou o lugar poluído [da política]. E, sendo percecionado como aquele que não resolve os problemas, associado à corrupção, à incompetência, ao aumento do custo de vida ou à perda do poder de compra, os franceses perderam realmente o medo de votar nos extremos, até porque o próprio extremo se poliu, nem que seja só ao nível da narrativa", observa, assinalando que o Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen "fez uma maquilhagem do seu discurso", moderando-o com "posições que parecem institucionais, republicanas".

Esta é uma tendência que vai além de França, sublinha Jorge Botelho Moniz: "Tem-se visto um pouco por toda a Europa, também nos Estados Unidos." Mas há uma particularidade que distingue os partidos da extrema-direita em França e em Portugal dos demais da Europa. "O que eu acho que se passa hoje em França e e em Portugal é que o RN e o Chega querem terminar com o centro à direita. Ou seja, para o RN, assim como para o Chega, o objetivo não é formar coligações à direita, eles querem ser a direita, ponto", teoriza Jorge Botelho Moniz, comparando, por exemplo, com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que, no entender do politólogo, não parece "querer secar por completo a direita", até porque ela própria é a líder da direita italiana, com os Irmãos de Itália.

"Os nacionalismos, que se consideravam adormecidos para sempre, acordaram"

José Filipe Pinto recorre à história para explicar que, até aqui, os eleitores tinham “medo” e “vergonha” de admitirem que votavam à direita, uma vez que a direita ficou conotada com as ditaduras, quer o franquismo em Espanha, como o salazarismo em Portugal, e o fascimo e o nazismo. Nos pós-guerra, lembra, os países ocidentais definiram constituições que proíbem a existência de partidos com determinadas ideologias, quer a nazi, quer a fascista (como é o caso da Constituição portuguesa). “Havia uma resistência tácita a tudo aquilo que pudesse ser conotado com o nazismo, com o fascismo e com o nacionalismo”, sublinha.

Depois da queda do muro de Berlim, deram-se os primeiros passos para a segurança e integração europeia - primeiro com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), e depois com a Comunidade Económica Europeia (CEE), antecessora da União Europeia (UE). E foi durante este período que, paulatinamente, “os nacionalismos, que se consideravam adormecidos para sempre, acordaram”, indica José Filipe Pinto. “E acordaram como resposta à integração europeia”, sublinha, lembrando que “muitos” dos países que integraram a UE faziam parte do Bloco de Leste, como a Hungria, a Chéquia, a Eslováquia e a Polónia, e que “também eles começaram a sentir-se como uma fortaleza da Europa”.

Ora, “à medida que a integração europeia foi evoluindo no sentido de uma maior transferência de soberania para órgãos supranacionais, como é o caso da UE, começou a surgir uma reação muito baseada no nacionalismo e até mesmo no nativismo, que ficou consubstanciada nos partidos populistas, culturais ou identitários, que começaram por estar à margem do sistema”, explica. “E aí assistimos ao que eu chamo da fase da saída do armário, que é a fase em que estes países, muitos dos quais estiveram subjugados ao jugo soviético, acabaram também eles por incorporar o populismo cultural ou identitário”, acrescenta José Filipe Pinto, salientando como o PiS de Mateusz Morawiecki dominou a Polónia, o Smer de Robert Fico dominou a Eslováquia e o Fidesz de Orbán se mantém no poder na Hungria. “São partidos populistas, culturais ou identitários que se assumem claramente como os arautos da identidade europeia” e olham para os imigrantes, por exemplo, como “uma ameaça” à cultura e identidade europeias, descreve.

“Estes partidos entendem que o nacionalismo, o nativismo, até o conservadorismo é que retratam a identidade europeia. E por isso mesmo são partidos que não têm pejo em considerar que defendem o ideal, por exemplo, da identidade europeia, que são eles os guardiões e que todos os outros são vistos como uma ameaça. A extrema-direita passou a assumir que está do lado certo da História”, argumenta José Filipe Pinto.

Ao mesmo tempo, os partidos mainstream acabaram por “legitimar” e “normalizar” estes partidos populistas, culturais ou identitários, mesmo que de forma indireta, aponta o especialista. Isto porque há “um desencanto generalizado com a democracia representativa”, consequência que José Filipe Pinto atribui, por exemplo, a “escândalos que envolvem figuras públicas” e a “fraturas internas” nos partidos mainstream, “como acontece em Espanha, como acontece em Itália, como acontece na Bélgica e em França”, e movimentos separatistas. A juntar a isso, as “graves crises económicas, as altas taxas de desemprego ou os baixos salários” também contribuem para “um descontentamento social” generalizado. Ora, “os partidos populistas, culturais ou identitários, aproveitam estas condições” para se assumir na política nacional como a solução que o povo necessita. Essa solução está, geralmente, assente num “líder, alguém a quem é reconhecido carisma para encabeçar o movimento”. “E é aí que surge André Ventura em Portugal, é aí que surge Pablo Iglesias do Podemos espanhol”, entre outros líderes destes movimentos, exemplifica.

Estes partidos caracterizam-se precisamente pela definição de um líder capaz de atrair os eleitores mais descontentes com o rumo da política dos partidos mainstream, observa José Filipe Pinto. “Quando se fala do Partido da Liberdade nos Países Baixos, fala-se de Gerd Wilders. Sem Gert Wilders não há Partido da Liberdade nos Países Baixos. Sem Marine Le Pen não há RN em França. E o Chega é o partido de André Ventura”, resume.

Tal qual um vírus, o crescimento da extrema-direita é contagiante, entende José Filipe Pinto, explicando que, com o desenvolvimento das tecnologias da informação, torna-se mais fácil a “circulação das ideias nacionalistas e nativistas. “À partida, poderíamos pensar que, sendo nacionalistas, deveriam ficar circunscritas a um país. O problema é que há o populismo transnacional, que não conhece fronteiras”, diz, argumentando que os partidos populistas se alinham uns com os outros, para, juntos, defenderem “a cultura nacional e europeia”.

“Não é a pertença à União Europeia que aproximou estes partidos. É o facto de o povo para Santiago Abascal [do VOX, de Espanha] ser o mesmo povo para André Ventura - é o povo daqueles que se identificam com a cultura europeia, com a cultura nacional. Mais do que europeia, a cultura nacional. Isto cria laços”, explica José Filipe Pinto.

Orbán quer criar uma "internacional populista" na UE

E os laços já estão a chegar além-fronteiras, nomeadamente à cúpula europeia, teoriza José Filipe Pinto, referindo-se à criação do terceiro grupo populista, cultural ou identitário no Parlamento Europeu, o Patriotas da Europa, apresentado pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. "A ideia de Orbán é que estes três (além do Patriotas da Europa, o Identidade e Democracia e o Conservadores e Reformistas) acabem por se fundir apenas num para formarem aquilo a que se chama uma internacional populista", argumenta, lembrando que este era "um projeto de Steve Bannon [antigo conselheiro do ex-presidente dos EUA Donald Trump], que andou a vender a ideia aqui na Europa" e que parece agora estar a ganhar forma à boleia de Orbán.

José Filipe Pinto serve-se do exemplo da Hungria para sustentar as suas conclusões sobre o populismo na Europa, tema que tem vindo a estudar ao longo dos anos, desde logo em Budapeste, onde deu aulas na universidade e faz "muito trabalho de campo" sobre a matéria. "Quando comecei a escrever há muitos anos sobre isto tinha dúvidas sobre se o populismo, principalmente o populismo cultural e identitário, era uma ameaça ou uma oportunidade para a democracia representativa. Hoje eu tenho a resposta, porque esperei que eles chegassem ao poder. E chegaram. [O populismo] Não é uma oportunidade, é uma ameaça", conclui o politólogo, explicando que, "uma vez instalados no poder, Orbán e o Fidesz estão claramente a impor a cultura do nacionalismo".

"Nem Salazar fez isso, porque Salazar escondeu sempre o Estado atrás da Nação - dizia sempre 'tudo pela Nação' - que era o nacionalismo, e o que ele queria era tudo pelo Estado. No caso destes países, vários comandos superiores do Fidesz mostram orgulho" no nacionalismo, argumenta. "Não é apenas já não terem vergonha, é terem orgulho - e mais do que isso: é aceitarem que é por eles que passa a solução. Eles acreditam que os que têm uma visão cosmopolita estão a pôr em causa a identidade nacional e estão verdadeiramente a vender a alma tanto nacional como europeia", acrescenta.

Por isso, José Filipe Pinto não tem dúvidas quando diz que "a extrema-direita passou a assumir que está do lado certo da História" - e a história repete-se.

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