Quando se tira Vitinha e se mantém Ronaldo, a mensagem é esta: não interessa o que tu fazes, interessa o que tu significas
Ronaldo
recomendação de leitura adicional Esta seleção merece este Diogo Costa mas o treinador deste jogo não merece esta seleção: as notas aos futebolistas e ao selecionador
O melhor a tirar deste jogo é perceber que decisão é que Ronaldo vai tomar
por Germano Oliveira
Ronaldo falhou um penálti e isso faz dele humano, Ronaldo chorou e isso faz dele ainda mais humano, Ronaldo esteve tempo a mais em campo e isso só faz dele ex-sobrehumano: Ronaldo não tem de jogar sempre nem até ao fim, não precisamos mais dele dessa maneira, é só isso e é tão simples - a vida tem esta maneira cruel de puxar para a Terra aqueles que elevou à estratosfera, que foi onde Ronaldo viveu a maior parte da carreira mas agora vai ter de viver o resto da vida entre nós, os normais. Ronaldo nunca será normal como nós, será normal como ele, mas já não é super-homem, apenas outro-homem - e é uma grande responsabilidade assumir imediatamente essa condição, o sucesso da seleção depende disso e não há muito tempo, vem aí França.
Nenhuma pessoa reconhecida pelo seu talento aceita pacificamente deixar de ser a melhor no que faz, sobretudo quando se foi um melhor como Ronaldo - não o melhor de uma década nem de duas mas o melhor de sempre: o que Ronaldo tem de descobrir, com ou sem ajuda de Roberto Martínez, é que pode ser o melhor de sempre sem ser o melhor de agora - não que isso vá pacificar Ronaldo, Ronaldo vai odiar essa descoberta, vai sentir-se injustiçado, incompreendido, revoltado, furioso, vai achar que somos ingratos e por isso vai querer vingar-se, ao primeiro golo que fizer entretanto vai sentir vontade de nos esfregar na cara que o tempo dele nem acabou nem se modificou, que é só o mesmo tempo de sempre, o tempo dele, mas o tempo já não é mesmo esse - é o tempo de Bernardo, de Bruno, de Vitinha, de Rafael, cada um à sua maneira é melhor que Ronaldo mas há uma maneira que distingue Bruno e Bernardo de Vitinha e Rafel, os primeiros dois têm 29 anos e os outros dois 24 e 25, quatro anos de diferença é um Euro a menos para o Bruno e o Bernardo do que para o Vitinha e o Rafael e o Ronaldo não está a fazer bem a estes quatro como não fez a outros no Catar - ter sempre Ronaldo em campo é um problema, vê-se isso na Alemanha como se viu no Catar, tirar Ronaldo de campo pode ser um problema ainda maior, viu-se isso no Catar e toda a gente teme isso na Alemanha. E depois há algo que é mais forte que Ronaldo - os objetivos pessoais continuam a sobrepor-se aos da equipa, minuto 39 do jogo com a Eslovénia, livre perigoso para Portugal junto à área de Oblak, é propício a cruzamento do Bruno ou do Bernardo ou do Vitinha, por exemplo, propício a criar perigo, mas o Ronaldo pega na bola, a bola é dele, ninguém vai cruzar porque o Ronaldo não quer, não deixa, ele é que manda, quer rematar dali, talvez o Ronaldo super-homem conseguisse marcar dali, talvez porventura, mas o Ronaldo outro-homem está obcecado em marcar neste Euro, quer bater mais um recorde, marca o livre, o remate sai sem sentido, não há mal nisso mas há mal na atitude.
Ronaldo desacelera a equipa, tira-lhe referências, perturba a fluidez de jogo, toda a instabilidade que se sente no jogo de Ronaldo por ainda não ter marcado no Euro infeta a tranquilidade coletiva, vejam aquele momento contra a Turquia em que Ronaldo protesta com Cancelo por um passe falhado que depois resulta no autogolo turco, Ronaldo protesta com os árbitros, com os adversários, com os colegas de equipa, parece que está sempre indignado e isso faz mal ao futebol dele e ao futebol de Portugal. Ronaldo tem de decidir se prefere continuar a fingir que é super, que é algo em que já só ele acredita, ou se prefere assumir que agora há jogadores mais importantes que ele - isso não significa que tem de ser suplente, que tem de pedir para ser suplente, que tem de ir embora da seleção, que tem de sei lá o quê, significa que tem de começar a desenvolver um talento que não lhe é muito abundante, o da humildade, e continuar a explorar outro que conhece muito bem - o do sacrifício, mas desta vez em nome do coletivo: não tem de marcar nem os livres nem os penáltis todos, não tem de estar sempre a gesticular contra os companheiros de equipa, tem de ser mais disciplinado taticamente e passar a bola deve tornar-se um ato mais natural - não é por acaso que o país andou a discutir durante dias o espanto que teve por Ronaldo ter passado a bola ao Bruno Fernandes no golo à Turquia, isso aconteceu porque é tão raro no Ronaldo que se tornou tão especial por ter acontecido.
A maior prova que Ronaldo pode ter do respeito que há por ele, respeito que ele merece por ser o melhor de sempre e por tudo o que fez para lá ter chegado e por lá se ter mantido, é quando falhou o penálti: no intervalo de prolongamento viu-se Ronaldo a chorar, viu-se a mãe dele a chorar, mas a equipa respondeu com amor e determinação às lágrimas de Ronaldo: ele que esbraceja tanto com os companheiros, que está tantas vezes a queixar-se porque não lhe passam a bola como ele quer ou no momento que quer ou com a altura que quer ou com a força que quer ou com a suavidade que quer ou com a velocidade que quer ou com a frequência que quer, ele que está sempre a fazer isso recebeu carinho, compreensão, apoio, motivação, união, a equipa mostrou sobretudo que acredita em Ronaldo de uma maneira que Ronaldo não parece acreditar nesta equipa, de uma maneira que nem Roberto Martínez parece acreditar nesta equipa: o selecionador só fez duas substituições até ao minuto 115, o banco de Portugal está ali certamente só para decorar, e depois há essa decisão insólita de matar de vez o já de si frágil balanço ofensivo da equipa, Vitinha e Rafael Leão foram tirados de um campo onde Ronaldo só permaneceu até ao fim porque é Ronaldo, outro a jogar o mesmo mas com outro nome tinha saído - Vitinha estava a ligar a equipa e Rafael Leão estava a animá-la: aos 70 minutos de jogo Portugal tinha 12 remates, Vitinha tinha saído pouco antes e Rafael Leão saiu pouco depois, aos 88 minutos de jogo Portugal tinha os mesmos 12 remates e uma evidência: nesta seleção não interessa o que tu fazes, interessa o que tu significas, e Vitinha não significa nada no mundo dos super-homens nem no dos outros-homens.
Os quatro momentos do jogo
momento 1
momento 2, 3 e 4
Cristiano: o pior do jogo (e a surpresa também)
por Pedro Falardo
Durante os minutos finais da partida chegámos a vaticinar que este seria o fim de Cristiano Ronaldo. Não o fim literal, de certeza que continuaria a jogar mesmo que Portugal fosse eliminado, mas o fim da sua carreira no topo do futebol mundial. Se já era mau o suficiente estar a canibalizar todos os livres diretos e a dificultar a manobra ofensiva da seleção, pior ficou quando falhou naquilo em que é especialista e um dos melhores de sempre. As lágrimas surgiram algo surpreendentemente, mas o próprio de certeza que sentiu que este seria o fim inglório de uma carreira brilhante, uma derrota perante uma seleção que praticamente só defende e nunca tinha disputado um encontro numa fase a eliminar em Mundiais ou Europeus. Há que dar mérito, no entanto, pois conseguiu voltar a concentrar-se para bater o primeiro penálti de Portugal no desempate. Mas não deixa de ter sido muito mau.