A honestidade e talento de Qinwen Zheng, finalista do Open da Austrália e a face que o ténis chinês deve mostrar ao mundo

Dois anos depois do caso Peng Shuai, Qinwen Zheng traz finalmente o lado bom do ténis da China. Aos 21 anos, é filha do efeito Li Na, que há precisamente 10 anos venceu em Melbourne Park, a única chinesa até agora a conquistar torneios do Grand Slam. Com um grande serviço e uma agressividade pura em court, Zheng quer surpreender Aryna Sabalenka na final feminina de sábado (8h30, Eurosport 1)

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A honestidade e talento de Qinwen Zheng, finalista do Open da Austrália e a face que o ténis chinês deve mostrar ao mundo

É um daqueles momentos a que os anglo-saxónicos gostam de chamar de “wholesome”, palavra e sentimento que, infelizmente, não terá uma tradução à letra no português – e infelizmente porque fazem falta mais traduções diretas de sentimentos bonitos. “Wholesome” é uma espécie de atitude e maneira de ser saudável, de bem com o mundo, que causa um quentinho cá dentro, o universo das boas intenções alinhado.

Mas voltemos, então, ao momento: está Qinwen Zheng, nova coqueluche do ténis chinês, a dar uma entrevista pós-jogo neste Open da Austrália, quando Li Na, vencedora em Melbourne em 2011, interrompe subtilmente a conversa, dando um fofo tapinha no traseiro da miúda que cresceu a idolatrá-la, a ver as suas vitórias, pioneiras para o desporto do país de ambas. As duas sorriem, a dama do ténis chinês, que fez milhares de outros chineses pegarem em raquetas, como que passa o testemunho à mais nova, dá-lhe a benção. Está tudo certo ali, é tudo saudável, wholesome. As mulheres mais poderosas são aquelas que não têm medo de quem lhes segue.

Zheng e Na cruzaram-se num jantar durante o torneio de Wimbledon, em 2018 (onde também esteve Naomi Osaka), mas conheciam-se pouco antes deste Open da Austrália. Contudo, Zheng há muito que seguia a vencedora de dois títulos do Grand Slam (Roland-Garros 2011 e Open da Austrália 2014), emulando-lhe até a história e os métodos. A “ESPN”, que transmite o torneio para os Estados Unidos, encontrou um frame de um vídeo com 10 anos, em que se vê um grupo de crianças chinesas a vibrar com Li Na a levantar a taça na Rod Laver Arena. Qinwen está lá.

Agora, a menina que aos sete anos deixou a família em Shiyan para ir treinar para Wuhan – curiosamente, a cidade natal de Li Na – pode imitar o ídolo, tornando-se na segunda chinesa a vencer um major, na final de sábado com Aryna Sabalenka, que defende o título do Open da Austrália.

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O efeito Li Na está agora a notar-se, uma década depois: a China tem sete jogadoras no top 100 mundial – Qinwen é a mais bem classificada, no 15.º lugar (será pelo menos 7.ª na próxima semana). Aos 21 anos, a final de Melbourne é uma espécie de evolução natural numa atleta que em 2021 corria a Europa de carro com a mãe para competir em torneios ITF – passando inclusivamente por Portugal, onde venceu um torneio de 25 mil dólares no Funchal -, em 2022 foi considerada pela WTA a melhor nova jogadora do ano e em 2023 a tenista que mais melhorou, numa temporada em que venceu os seus dois primeiros títulos WTA e chegou, pela primeira vez, a uns quartos de final num torneio do Grand Slam. Agora, é só a confirmação.

Agressiva, honesta e que gosta de cantar

Quando se fala de seguir os passos de Li Na, isso pode significar literalmente seguir os passos de Li Na. Com apenas 10 anos, Qinwen mudou-se para Pequim, para treinar na academia liderada por Carlos Rodríguez, espanhol que ajudou Justine Henin a vencer sete títulos do Grand Slam antes de começar a trabalhar com Li Na, com quem conquistaria o Open da Austrália. Terá sido também com a influência de Li Na que Qinwen se mudou para Barcelona com 17 anos, encontrando pela primeira vez Pere Riba, o treinador que estava na equipa de Coco Gauff quando a norte-americana venceu o US Open do ano passado, antes de regressar a Espanha no início desta temporada, voltando a treinar a chinesa.

Qinwen praticou vários desportos, entre eles o badminton, o basquetebol e ténis de mesa, antes de escolher o ténis. Bem cedo as vitórias de Li Na fizeram-na perceber que, sim, uma chinesa poderia brilhar no circuito feminino. “Quando era miúda não pensava muito no assunto, mas ver a Li Na a ganhar o primeiro título do Grand Slam fez-me perceber que ‘oh, uma tenista asiática também pode fazer algo bom no ténis’. Acho que ela colocou uma pequena semente no meu coração. Quero tentar ser como ela ou ainda melhor”, confessou numa reportagem do “Tennis.com” em janeiro de 2023. Roger Federer, sublinha, é outra das inspirações, ela que baseia o seu ténis num excelente serviço (os quase 1,80m de altura ajudam), boas pancadas tanto de esquerda como de direita e numa grande agressividade que, diz, aprendeu a domar quando se mudou para Espanha.

Ainda assim, não é incomum ver Zheng a arriscar e a namoriscar todas as linhas do court. Não há grande margem para erro e nisso até se parece à adversária deste sábado, que a derrotou nos quartos de final do último US Open. Na final do Open da Austrália, a 12.ª cabeça de série em Melbourne terá pela primeira vez no torneio uma adversária que está entre as pré-designadas. Será, de longe, o maior desafio da carreira da chinesa.

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Com um dos títulos conquistados em 2023, em Zhengzhou

“É um dos meus grandes sonhos desde que sou miúda, é fantástico”, sublinhou em declarações à “Eurosport” depois de derrotar Dayana Yastremska nas meias-finais, por duplo 6-4. Li Na, confessou, deu-lhe um conselho fulcral: “Não penses demasiado.” Também servirá para a final.

Com uma energia jovial, Qinwen gosta de um bom karaoke e de dançar, embora ao “Tennis.com” tenha confessado que prefere a natureza e as redondezas de Barcelona, onde fica o clube onde treina, do que o centro da cidade catalã. Além do chinês e do inglês, está a aprender espanhol, para conseguir também compreender aquilo que os membros da sua equipa conversam. Muitos já não se recordarão, mas das primeiras características que conhecemos de Qinwen Zheng foi a sua honestidade: em 2022, depois de roubar um set a Iga Swiatek na quarta ronda de Roland-Garros, a chinesa foi assistida por problemas físicos, perdendo cabalmente os dois parciais seguintes. No final, assumiu abertamente que estava a sofrer com dores menstruais, impeditivas de dar o seu melhor.

“São coisas de raparigas. O primeiro dia é sempre duro. Tens de competir, mas eu tenho sempre muitas dores no primeiro dia. E não posso ir contra a minha natureza. Quem me dera que pudesse ser um homem em court, mas não posso neste momento”, desabafou no momento, contribuindo também para que as questões menstruais no desporto feminino começassem a ser faladas de forma mais honesta e aberta, o que levou, inclusivamente, a que Wimbledon suavizasse as regras de obrigatoriedade de uso de equipamento branco para as tenistas.

Qinwen Zheng é assim a cara moderna que o ténis chinês deve mostrar, depois do caso Peng Shuai, que em novembro de 2021 esteve desaparecida depois de acusar um antigo alto funcionário do governo da China de assédio sexual. A antiga tenista assegurou depois que tudo não tinha passado de um “mal-entendido”, mas o caso nunca foi devidamente clarificado. A WTA retirou todos os torneios do país em 2022, mas voltou à China em setembro, mesmo assumindo não ter atingido os objetivos de investigação formal e resolução do caso. No sábado, o ténis chinês poderá voltar a ser notícia pelas boas razões.

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