Ucranianos: “não se preocupem”

O apelo pode parecer demasiado ambicioso, quase ingénuo, se não for contextualizado. Afinal, há ou não razões para garantir algum descanso aos ucranianos?

ucranianos: “não se preocupem”

Ucranianos: “não se preocupem”

O título é inspirado nas palavras de Joseph Borrell, no dia em que se reuniram em Bruxelas os Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia e outras figuras. A Ucrânia esteve no centro do debate, mas não esteve sozinha. O deflagrar da guerra no Médio Oriente, há quase quatro meses, retirou aos ucranianos o protagonismo mediático que os colocava na dianteira das agendas nacionais e internacionais. A atenção das instituições, como dos governos nacionais e das próprias opiniões públicas, está agora dividida entre dois conflitos com tempos de vida distintos, podendo, por isso mesmo, correr o risco de colocar o mais antigo num lugar perigosamente secundário.

Em abril de 2023, Germano Almeida publicava A Guerra Incomportável – um estudo de leitura obrigatória acerca do conflito na Ucrânia – e já nessa altura o jornalista e comentador alertava para o perigo de uma certa fadiga mediática, para usar a sua expressão, acerca da guerra na Ucrânia e da ameaça real russa. Hoje, e com um novo conflito em cima do tabuleiro de xadrez internacional, o alerta de Germano Almeida ganha uma importância e uma atualidade acrescidas. É por isso que não podemos deixar de observar, e com algum ânimo, o Conselho de Negócios Estrangeiros desta segunda-feira, 22 de janeiro, que, de algum modo, veio renovar a ideia de que a Ucrânia não está esquecida e de que a Europa permanecerá forte no apoio à sua causa, como sublinhou Borrell. “Não se preocupem, não se preocupem, os ucranianos não têm que se preocupar”, dizia, num conjunto de declarações que despertam um misto de otimismo e receio acerca de uma descontração que pode ler-se excessiva.

Poderão os ucranianos estar assim tão descansados? Por mais que as garantias de Borrell confirmem que a atenção que a União Europeia canaliza para o Médio Oriente não obriga a negligenciar o apoio à Ucrânia, a realidade é que, para além da evidência de que os fundos não são infindáveis, a Europa está cada vez mais orientada para opções governativas sobretudo focadas em interesses nacionais, como demonstram os casos da Hungria, da Eslováquia e dos Países Baixos. Esta tendência não permite crer com demasiada fé na convicção do chefe da diplomacia europeia, pelo menos no plano das expectativas. No plano das ações, porém, o cenário permite identificar algum otimismo real, embora contido, acerca da posição da União face à necessidade de dar continuidade ao apoio da causa ucraniana.

No âmbito deste encontro entre os representantes da diplomacia europeia foi possível chegar a um consenso político acerca da utilização dos rendimentos (na ordem dos 15 mil milhões de euros) de bens russos congelados a favor da Ucrânia. Numa nota também ela otimista, o ministro português Gomes Cravinho confessou que “ainda falta algum trabalho técnico” para pôr em marcha este desígnio, mas sublinhou que se trata de “um montante muito significativo”. O ministro lituano, por seu turno, fez algumas das declarações mais fortes do encontro, sobretudo tendo em conta o fator histórico que liga a própria Lituânia não à Rússia de Putin, mas à antiga União Soviética (a Lituânia era uma das 15 repúblicas socialistas soviéticas). Gabrielius Landsbergis declarou-se sob a missão de revigorar o apoio europeu à Ucrânia contra o que disse ser “a loucura da Rússia” e deixou um apelo da maior relevância no que concerne à ideia falaciosa, e perigosa, de achar que as pretensões russas se esgotam nos limites das fronteiras ucranianas: “Se a Rússia não for travada na Ucrânia, poderá continuar. E os próximos seriam os Estados Bálticos”.

Por motivos geopolíticos distintos, mas historicamente muito próximos, a Polónia é outro dos países cuja relação com a antiga União Soviética deixou cicatrizes que deixam Varsóvia especialmente alerta perante uma potência russa revisionista (a Polónia não era uma república socialista soviética, mas era um dos países satelizados pela União Soviética na Europa de Leste, a par da Hungria, Checoslováquia, República Democrática Alemã, Bulgária e Roménia). Em boa hora Donald Tusk foi eleito na Polónia e rapidamente devolveu às relações entre Varsóvia e Kiev o espírito de amizade e união a que as semelhanças históricas dos dois países quase obrigam. O primeiro-ministro polaco esteve esta segunda-feira, 22 de janeiro, de visita à capital ucraniana, onde se reuniu com Zelensky e onde os dois acordaram a produção conjunta de armas e munições.

No mesmo dia, também ficou confirmado o compromisso belga de fornecimento de 611 milhões de euros em ajuda militar à Ucrânia ao longo do ano de 2024. A notícia foi avançada numa rede social de Rustem Umerov, ministro da defesa ucraniano, que partilhou a nota de agradecimento à Bélgica na sequência de um telefonema com a sua homóloga no país em questão.

Todos estes são bons sinais: no conjunto, fornecem um enquadramento que pode dizer-se auspicioso e que permite vislumbrar o regresso da Ucrânia à centralidade do debate europeu e ocidental. Certamente, a corrida à Casa Branca agendada para novembro deste ano também contribuirá para esta centralidade, mas talvez não pelos melhores motivos. Donald Trump, candidato à reeleição, afirmou ser capaz de resolver a guerra na Ucrânia em 24 horas. As narrativas originais do ex-Presidente norte-americano já não nos oferecem novidade nem espanto, mas devem preocupar-nos. Muito provavelmente, a solução milagrosa para a paz, tal como imaginada por Trump, deverá implicar cedências territoriais da Ucrânia para a Rússia (ou não seria possível resolver o conflito num dia, como promete o antecessor de Joe Biden). A ser realmente eleito, Trump vai dificultar o trabalho europeu no apoio à Ucrânia, por mais unidos que estejam os 27 membros da União Europeia e por mais prioritário que seja o lugar ucraniano na agenda europeia. Se assim for, será difícil conseguir elencar em janeiro de 2025 tantas notas de otimismo como aquelas que ainda é possível elencar em janeiro de 2024. Trump vai mesmo deixar-nos a sofrer por antecipação…

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