Aldrabice - uma espécie de ideologia do género distraído

Para os que gostam tanto do politicamente incorreto e de bradar que se limitam a “dizer verdades”, aqui vai: André Ventura discursou como um aldrabão

aldrabice - uma espécie de ideologia do género distraído

Aldrabice – uma espécie de ideologia do género distraído

Aldrabão: aquele que mente; aquele que engana alguém; aquele que fala ou atua apressadamente e sem cuidado (in Infopédia – Dicionário da Porto Editora)

Para os que gostam tanto do politicamente incorreto e de bradar que se limitam a “dizer verdades”, aqui vai: André Ventura discursou como um aldrabão.

Aldrabou os portugueses quando afirmou que iria financiar a subida dos salários e subsídio de risco das forças de segurança com uns (delirantes) 426 milhões de euros (falsamente) dedicados à promoção daquilo que insiste em chamar “ideologia de género”. Imitando o ridículo tik-tokeiro Javier Milei – que, aos gritos, arrancava de um quadro “post-it´s” de ministérios como do Desenvolvimento Sustentável, da Cultura ou da Igualdade de Género e das Mulheres –, André Ventura filmou-se num gabinete da Assembleia da República que já foi de Diogo Freitas do Amaral, de Adelino Amaro da Costa ou de Adriano Moreira numa cópia de terceira categoria do seu ídolo argentino.

Nesse vídeo – que circula em redes sociais apenas para intrujar as pessoas que não dedicam mais de 2 minutos e 9 segundos para confrontar as mentiras que dissemina –, vai deitando para o caixote do lixo as despesas públicas que alega irem permitir cumprir as suas promessas. Entre as despesas que inventa ou manipula encontram-se:

(a) “dezenas de milhões de euros” (sic) para fundações e observatórios – que não sabe, nem consegue quantificar, apesar de ser deputado e ter acesso à proposta de lei de orçamento e respetivo relatório;

(b) 69 milhões de euros para gabinetes ministeriais – ficamos a saber que o Chega irá dispensar a contratação de chefes de gabinetes, de assessores, de secretárias e de outras despesas de funcionamento. Só é pena que não o tenha feito quando chegou ao parlamento e enxameou o seu grupo parlamentar dos respetivos correligionários. Ou no parlamento regional dos Açores. Ou no parlamento regional da Madeira. Ou nas autarquias em que elegeu autarcas seus;

(c) 350 milhões de euros para rendimento mínimo de inserção – apesar de notar que só uma parte reduzidíssima desse montante é alvo de fraude e de uso abusivo, finge que todo esse montante seria alvo de corte. Nada como a consciência social e (falsamente) “cristã” desta nova extrema direita tik-tokeira para fazer justamente o contrário daquilo que Jesus de Nazaré sempre pregou;

(d) 9 milhões de euros em pensões vitalícias – só se esqueceu que quem extinguiu o regime das pensões vitalícias foi (veja-se lá o espanto!) um governo do PS, em 2005, e que aquele valor apenas diz respeito a antigos titulares de cargos políticos, com pensões já em pagamento, cujo corte seria inconstitucional por violação do princípio da confiança, conforme, aliás, já demonstrou o Tribunal Constitucional através do Acórdão n.º 3/2016;

(e) 20 mil milhões de euros que “gastamos em corrupção” (sic!)

(f) 426 milhões de euros para a “ideologia de género” (sic!!).

Centremo-nos nestes dois últimos pontos. Segundo André Ventura será aqui que se poderia ir buscar receita compensatória para cumprir as suas promessas irrealistas e contraditórias.

Todos nós – sejam os que estudamos e monitorizamos o fenómeno da corrupção, de modo sério e científico, contribuindo para a sua prevenção e redução, mas também os que são por ela diariamente lesados –, adoraríamos perceber como é que chegou a este número tão extraordinário e com base em que relatório de organização independente credível é que o fez. Só tem piada ver um político lunático e impreparado achar que basta arrancar um “post-it” e colocá-lo no caixote do lixo para se acabar com o fenómeno corruptivo e reaver, por um golpe de mágica, dinheiro equivalente a 16% do total de despesa pública anual.

E ideias sobre como fazer isso? Como melhorar o sistema de “compliance” nas empresas e nas instituição? Como sinalizar e impedir conflitos de interesses? Como tornar mais transparente a governação pública e privada? Quanto a isso, nem uma ideia. No mundo do Tik-Tok basta gritar muito, juntar uma música épica e tudo se resolve.

Mas a demagogia a propósito da corrupção já não é novidade.

Novidade é saber que o líder do Chega pretende acabar com os subsídios de maternidade e de paternidade. E com os programas de apoio a vítimas de violência doméstica. Pois só assim se pode interpretar a traquinice de defender o corte de 426 milhões previstos no Orçamento de Estado para 2024 relativos à promoção da igualdade de género. Sim, igualdade de género. E não “ideologia de género”, conforme (mentirosa e depreciativamente) apelidam aqueles que queriam voltar a ver mulheres “recatadas e fadas do lar”, remetidas para um papel de subserviência.

André Ventura é deputado à Assembleia da República e tinha obrigação – visto que o seu salário é “pago por todos nós” (como tanto gostam de repetir os seus idólatras) – de ter lido a respetiva proposta de lei e o Relatório sobre o Impacto do Orçamento de Estado para 2024 sobre a Igualdade de Género que o acompanhou. Quando se passa o tempo a gravar vídeos para o “Tik Tok” falta-nos o tempo para ler os documentos que se votam e determinam o nosso futuro comum.

Caso os tivesse lido, André Ventura saberia que 81% dessa verba diz respeito a políticas tranversais que impactam sobre a igualdade de género, conforme determina a Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018. Caso os tivesse lido, também saberia (como, aliás, bem sabe) que os 426 milhões de euros aprovados pelo Orçamento de Estado para 2024 relativos à promoção da igualdade de género se destinam a:

(a) Pagar subsídios de maternidade e de paternidade (para que não se imponha às mulheres o encargo exclusivo dos filhos recém-nascidos);

(b) Reduzir o tarifário nos transportes públicos, através de passes sociais e outros apoios (para que seja mais rápido o transporte entre casa e trabalho e se compatibilize melhor a vida pessoal com a vida profissional);

(c) financiar as creches gratuitas (para que mulheres e homens possam querer e ter filhas/os);

(d) criar casas de abrigo para vítimas de violência doméstica (para que mulheres, homens e crianças possam recomeçar a sua vida e fugir a ameaças contra a sua vida e integridade física).

Só quem prefere a aldrabice à seriedade faz demagogia com um assunto tão decisivo. Fê-lo apenas para ludibriar quem o ouve. Fê-lo para ganhar uns votos, entre quem coloca o preconceito à frente da liberdade. Fê-lo para estimular o pior que há no ser humano: o ódio à diferença e o ressentimento.

Ainda bem que se apoiam associações que protegem aquelas/es que são perseguidas/os e punidas/os por serem e amarem diferente daquilo que tem sido padrão, até aqui.

Mas é uma mentira do tamanho do Cristo-Rei inventar, por puro oportunismo político, que os 426 milhões de euros destinados à correção da desigualdade entre géneros é dado a “perigosos ativistas que querem endoutrinar as nossas crianças e tornar legal a pedofilia” (na linha das mentiras que certos fanáticos difundem nas redes sociais).

Já se esperava pouco deste André Ventura.

Mas, já que gostam tanto de frontalidade e defendem o direito ao politicamente incorreto, há que não ter medo de o dizer, sem rodeios: falou como um aldrabão.

E o país não precisa de aldrabice. Muito menos, quando quem a difunde se arroga de uma (pretensa) autoridade ética para “limpar a sociedade portuguesa”.

Para ganhar a adesão da turba vale tudo.

Até uma ideologia do género distraído.

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