Rua do Benformoso, Mouraria (Foto: Rodrigo Cabrita)
Pedro Passos Coelho associou, esta segunda-feira, o aumento da imigração ao aumento da sensação de “insegurança” em Portugal. Num discurso no comício da AD, em Faro, o antigo primeiro-ministro recordou uma afirmação que havia feito em 2016: “Nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado que precisamos também de ter um país seguro.” De seguida, apontou o dedo ao Governo de António Costa, por ter feito “ouvidos moucos” a este aviso, e, como resultado, “hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e de prioridade que se deu a essas matérias”.
Mas será que há realmente uma relação entre o aumento da imigração e a criminalidade? Os dados mostram que não. Vejamos o último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), relativo ao ano de 2022 (ano em que a imigração atingiu o nível mais alto de sempre, registando-se mais de 780.000 residentes estrangeiros em Portugal, de acordo com dados do SEF, entretanto extinto).
Segundo os dados do RASI, desde 2006 que a criminalidade anual tem vindo a decrescer consideravelmente, observando-se uma “tendência de descida, tanto na criminalidade geral como na criminalidade violenta e grave”, sendo que esta última “representa 3,9% de toda a criminalidade participada”.
O número de participações por criminalidade violenta e grave aumentou 14,4%, quando comparada com o ano de 2021, com destaque para os crimes de roubo na via pública (21,1% das participações), crime de extorsão (49,9%) e crime de violação (30,7%).
O mesmo relatório destaca ainda que a grande maioria (84,7%) da população prisional em Portugal tem nacionalidade portuguesa, enquanto o valor relativo dos reclusos estrangeiros diminuiu 3,8% na última década.
Já a perceção de criminalidade e insegurança aumentou ligeiramente entre 2017 e 2023, de acordo com o Barómetro APAV, da Intercampus, divulgado em maio do ano passado. Com base num inquérito a 600 indivíduos residentes em Portugal, o barómetro revela que 11% dos inquiridos considera a zona onde reside insegura ou perigosa (uma subida de 1 p.p. em relação a 2017), 24% dos indivíduos admitiu ter receios de ser assaltado ou agredido (em 2017, eram 22%), e 36% disse ter receios de que a sua residência seja assaltada (um aumento de 2 p.p. em comparação com 2017).
O inquérito revela ainda que 49% dos inquiridos receia que o seu veículo seja alvo de furto ou dano (em comparação com os 44% registados em 2017), 6% dizem ter sido assaltados, agredidos ou vítimas de um outro crime nos 12 meses anteriores (mais 3 p.p. do que em 2017) e 20% respondeu que conhece alguém – entre familiares, amigos e conhecidos – que foi assaltado ou agredido ou vítima de um outro crime nos 12 meses anteriores (um aumento de 2 p.p. em relação a 2017).
Todavia, para Hugo Costeira, presidente do Observatório da Segurança Interna, estes números devem ser analisados com alguma cautela, lembrando que, muitas vezes, várias vítimas não apresentam queixa às autoridades, limitando-se por vezes a expor a situação nas redes sociais – situação que diz ver com frequência relativamente a casos de criminalidade que as vítimas relatam ter sido cometidas por indivíduos de determinadas comunidades ou etnias.
E é neste contexto que o responsável admita que possa haver alguma relação entre o aumento da perceção da insegurança e o aumento da imigração. “Temos ouvido falar dos indostânicos na qualidade de motoristas TVDE, há inúmeros relatos nas redes sociais de pessoas que dizem ser perseguidas, humilhadas ou vítimas de tentativas de violação. Isto causa uma perceção negativa das pessoas sobre esta comunidade”, diz à CNN Portugal, acrescentando que estes relatos “muitas vezes não chegam às autoridades” porque as vítimas nem sempre apresentam queixa. Daí que Hugo Costeira admita olhar com “alguma displicência” para os dados do RASI, por exemplo.
Hugo Costeira admite que não interpreta as declarações de Pedro Passos Coelho “de forma negativa”, apontando que o antigo primeiro-ministro “tem razão quando diz que há um afastamento das políticas governamentais”, nomeando como exemplo a extinção do SEF, que classifica como “um erro momumental” que vai, aliás, “contra o percurso da UE na questão das fronteiras”.
O presidente do Observatório da Segurança Interna nega as declarações do antigo primeiro-ministro possam “causar alarme”, interpretando-as antes como um desafio para que, em conjunto, possamos “olhar com profundidade para os fenómenos de natureza securitária”.
“Estas afirmações devem ser vistas como uma necessidade de responsabilização, que todos nós temos de cooperar com as autoridades e, se realmente formos vítimas de um crime, temos de reportá-lo”, argumenta.
O sociólogo Manuel Carlos Silva, especialista em Desigualdades Sociais, de classe, étnicas e de género, garante à CNN Portugal que “não há qualquer relação” entre o aumento da imigração e da insegurança, nem da perceção da insegurança. “Não tem fundamento prático na realidade”, diz, sugerindo que as afirmações do antigo primeiro-ministro não são mais do que “um preconceito ideológico” com intenções eleitoralistas.
“É evidente que isso tem um objetivo: criar insegurança”, argumenta, acrescentando que estas declarações podem mesmo “criar animosidade contra os imigrantes”.
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