Têm cada vez menos filiados, mas continuam a representar a maioria dos trabalhadores: os sindicatos, "para já", não têm substitutos

Militantes da União Geral de Trabalhadores (UGT), durante as comemorações do Dia do Trabalhador nos Jardins da Torre de Belém (LUSA/António Pedro Santos)

Assim que o boicote à final da Taça de Portugal foi anunciado, na véspera do 50.º aniversário do 25 de Abril, a plataforma de sindicatos oficiais da PSP e da GNR fez questão de se distanciar dos movimentos inorgânicos das polícias. Mas meio século depois do primeiro Dia do Trabalhador em democracia, têm sido esses movimentos de contestação laboral a marcar a agenda mediática em áreas como a segurança, a agricultura (com o Movimento Cívico de Agricultores), a educação ou a saúde (com o Médicos em Luta e o Enfermeiros Sem Medo).

Em parte, defende Raquel Rego, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), isto explica-se pelo facto de responderem “à lógica da comunicação social de ir à procura do que é ‘novo'”, mas também pela sua “capacidade de pressão” potenciada pelas novas tecnologias e as mudanças no mercado laboral.

“Embora não haja estudos que nos permitam conhecer estes grupos com rigor, podemos identificar fatores que podem contribuir para a sua emergência, antes de mais a existência de uma grande insatisfação, a perceção de injustiça social e de desigualdade”, aponta. “Nem todos os grupos insatisfeitos se conseguem fazer ouvir, mas a sua ação de pressão tem impacto na vida das pessoas – veja-se o impacto da ausência de profissionais de segurança num jogo de futebol, o impacto de ruas bloqueadas, o impacto de um serviço de educação ou de saúde que não funciona.”

Também “não é de desprezar algum efeito mimético” face aos primeiros movimentos desta natureza que surgiram na Europa, à cabeça o Movimento dos Coletes Amarelos em França há seis anos e, mais recentemente, os protestos dos agricultores em Bruxelas, no coração da União Europeia. “A onda de contestação pode expandir-se além fronteiras”, sendo que no caso português “o surgimento de grupos e até de sindicatos sem ligação às confederações sindicais CGTP-IN e UGT não é novo”.

“O movimento sindical português é composto por muitas organizações que não estão filiadas nessas estruturas e, de resto, são por isso chamadas de independentes. Existem até confederações sindicais ditas independentes”, ressalta a investigadora. Há, contudo, características que distinguem esses sindicatos independentes dos chamados movimentos inorgânicos – por exemplo, o Sindicato de Todos os Professores (STOP), um sindicato “formal” registado no Ministério do Trabalho desde 2018, por oposição a grupos “informais” de pressão como o Missão Escola Pública.

Formais ou informais, estes movimentos não se assemelham aos sindicatos ditos tradicionais, “que já têm um lugar instituído, nomeadamente como reguladores do mercado de trabalho através da negociação coletiva”. E desse ponto de vista, aponta o economista João Cerejeira, os movimentos inorgânicos acabam por funcionar “mais como válvulas de escape, para vocalizar descontentamentos, mas depois falham em transformar-se em agentes de negociação e em tomar o seu lugar na concertação social – veja-se que o último acordo na concertação [no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, implementada há um ano pelo anterior Governo] não incluiu estes novos sindicatos em áreas como a educação ou a saúde”.

À boleia das redes sociais

Os números são claros: desde o 25 de Abril, quando a Constituição da República Portuguesa passou a consagrar, no seu artigo 56.º, os “direitos das associações sindicais e contratação coletiva”, a taxa de sindicalização entre os trabalhadores portugueses caiu a pique, com a percentagem de sindicalizados a afundar cerca de 75%, atingindo pouco mais de 15% em 2016.

“Houve uma queda paulatina do que chamamos intensidade sindical, do número de filiados a sindicatos, em comparação com a população ativa, pelo que há uma menor representatividade junto dos empregadores”, refere o economista da Universidade do Minho, com uma ressalva: é que “esta diminuição da representatividade sindical ao nível da filiação não quer dizer que os sindicatos não tenham importância nas relações laborais – pelo contrário, cerca de 80% do emprego está abrangido por contratos coletivos de trabalho e outros efeitos da negociação coletiva, ou seja, apesar de terem taxas de filiação relativamente reduzidas, a rondar os 15%, os sindicatos acabam por ter um efeito guarda-chuva para quatro quintos do emprego em Portugal”.

Para João Cerejeira, o surgimento dos chamados movimentos inorgânicos acaba por ter lugar em “áreas com algum desgaste da presença dos sindicatos tradicionais, em que há falta de renovação dos quadros, como é o caso dos professores, em que o STOP surge como alternativa a sindicatos tradicionais muito ligados a partidos políticos, no caso a Fenprof, ligada à CGTP, e o Sindep, filiado à UGT, fundadores do regime democrático que têm formas diferentes de comunicar e que, de certa forma, estão cristalizados”.

Isto acaba por explicar a emergência destes “novos movimentos bastante mais expressivos, mais vocais, mas sem passado de negociação, sem passado de compromissos assumidos, que tiram partido de fóruns instantâneos, ganham visibilidade muito superior [aos sindicatos tradicionais], mas cuja relevância efetiva no diálogo social acaba por ser pouca”. Pelo menos para já. “Ainda não têm papel de substitutos, porque ainda não tomaram o seu lugar nas negociações, pelo que não podem ser avaliados na mesma medida”, indica.

“Hoje, com a facilidade de reunião proporcionada pelas redes sociais, os cidadãos têm mais facilidade em se organizarem e fazerem ouvir, mas isto não significa que se vá dar o mesmo papel a estes grupos que se dá aos sindicatos”, acrescenta Raquel Rego, até porque “os sindicatos conquistaram o lugar que têm hoje nas democracias liberais pelo seu funcionamento democrático e compromisso com a chamada ‘paz social’”, na sequência das lutas sindicais que marcaram o século XX na Europa, em que os trabalhadores se mobilizaram para “conquistar o direito a organizar-se, a fazer negociação coletiva, a serem ouvidos enquanto estruturas representativas – e conseguiram-no ao aceitar algumas regras”.

Sindicalismo em crise e um mercado laboral em mudança

Ao longo das últimas décadas, houve uma “fragmentação sindical” em vários países, “que, em Portugal, como noutros países do sul da Europa, se torna um problema para a defesa dos interesses em questão, porque não há muitas federações ou plataformas que permitam ‘uma só voz’, tornando essa defesa muito pouco eficiente, porque a capacidade de pressão não é potenciada”, refere Raquel Rego.

A par disso, a queda das taxas de sindicalização tornou-se “uma questão geracional”, adianta João Cerejeira, muito notória entre a população mais jovem que está a entrar no mercado de trabalho e a quem os sindicatos tradicionais não têm conseguido chegar, “também por causa das condições de trabalho, da precariedade, dos contratos a prazo, e da maior rotação da mobilidade, até internacional”, indica o economista. “A existência de estruturas sindicais exige uma presença no próprio posto de trabalho e a renovação das empresas, bem como a dinâmica e a mobilidade laboral entre os trabalhadores mais jovens, acabam por limitar quer o interesse, quer a entrada nos sindicatos e a comunicação destes nos novos mercados e junto dos novos públicos.”

A ideia de uma “crise do sindicalismo” não é nova, está em debate desde os anos 1980 e é explicada por uma série de fatores, como “as chamadas políticas neoliberais que pretendem desregular o mercado do trabalho por via do enfraquecimento do poder de negociação sindical e do direito à greve”, refere Raquel Rego, a par da “precarização e atomização do trabalho em resultado do maior peso dos serviços”, que faz com que “o impacto das greves nos serviços atinja os consumidos e não diretamente os patrões, como sucede na indústria”.

Esta crise acaba por traduzir-se “essencialmente no decréscimo do número de membros dos sindicatos e numa representação sobretudo de homens, mais velhos, com contratos de trabalho permanentes, quando os trabalhadores são, de forma crescente, mulheres, imigrantes e precários”, indica a investigadora do ICS-ULisboa.

Dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos apresentados pela Pordata esta semana mostram essas novas facetas do mercado laboral em Portugal: neste momento, um em cada seis trabalhadores tem um contrato a prazo e a agricultura e pescas, bem como o alojamento e restauração, são os setores onde se ganha menos – precisamente alguns dos que apresentam os mais baixos números de trabalhadores sindicalizados. Como indica Cerejeira, “a taxa de sindicalização continua a ser maior em setores como a banca, gestores, energia e transportes”.

Ainda assim, não se augura que os movimentos inorgânicos – que, pela sua natureza e funcionamento, podem apelar mais às faixas da população que não se sentem representadas – venham a substituir as tradicionais confederações e centrais sindicais, numa altura em que diferentes organizações, desde a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento da Europa (OCDE), têm demonstrado preocupação com o reforço da contratação coletiva e o poder dos sindicatos.

Convergência ou radicalização?

“Os sindicatos vão certamente continuar a ter um papel importante nas democracias liberais como a nossa, pois já desempenham um papel de regulação do mercado de trabalho, fundamental através da negociação coletiva”, destaca Raquel Rego. Mas “é igualmente seguro que continuará a haver grupos informais com grande saliência na esfera pública, não só porque as redes sociais promovem um envolvimento fácil e superficial, sem grandes consequências, como os segmentos da população que não veem com bons olhos as estruturas tradicionais tenderão a procurar alternativas e a fazer-se ouvir de qualquer modo”.

A investigadora do ICS defende, por isso, que “para a efetiva defesa dos interesses em causa, seria desejável que estes grupos, informais e formais, convergissem” por forma a ganharem “mais força e legitimidade” (ainda que notícias recentes apontem na direção oposta, por exemplo, no caso da saúde). “Basta que pensemos que, durante o Estado Novo, não era permitido haver federações ou confederações, ou seja, estruturas agregadoras, de cúpula, que pusessem as diversas identidades profissionais a falar a uma só voz – seria demasiado perigoso”, destaca.

Enquanto isso não acontece, o futuro passa por enfrentar os desafios que estes movimentos inorgânicos representam, a começar pelo facto de “não terem necessariamente uma base democrática” como os tradicionais sindicatos. “Muitas vezes nestes grupos, baseados num grupo de Facebook, por exemplo, não há um porta-voz, não há um mandato de representação, não há inclusivamente um caderno reivindicativo consistente. Daqui resulta que os governos não podem aceitar dialogar com eles como fariam com sindicatos, [porque] isso criaria um precedente demasiado arriscado que poderia abrir portas ao caos.”

Para além disso, existe a possibilidade real de infiltração destes movimentos por forças antidemocráticas. “No caso português, a questão da infiltração dos movimentos [sindicais] por partidos políticos sempre esteve presente”, indica João Cerejeira. “A CGTP, como sabemos, tem uma ligação estreita com o PCP, e a UGT nasce à luz do confronto entre forças mais extremistas e mais moderadas [na esquerda] ocorrido a seguir ao 25 de Abril. O perigo principal, a meu ver, é termos essas forças mais extremistas a entrar em áreas da soberania, como na polícia, no exército, na justiça… Essa é a preocupação maior. A entrada nos outros setores acho difícil que aconteça e que seja expressiva.”

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