Ucrânia. À invasão em grande escala, Yevhen responde com milhões de hryvnias

ucrânia. à invasão em grande escala, yevhen responde com milhões de hryvnias

Contra a indiferença, o cansaço e ilusões da propaganda, Yevhen Petrov luta diariamente longe das trincheiras, na angariação de milhões em fundos para o Exército ucraniano, onde tanto importa um `drone` como a roda de um carro.

Aos 22 anos, o secretário-geral da Public Diplomacy Platform encontrou a sua ocupação quase permanente nesta organização não-governamental ucraniana, que começou em 2018 por se dedicar às políticas e estratégias nacionais de juventude. Até que, em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia iniciou a chamada “invasão em grande escala” do seu país. Nasceu nesse dia uma vida separada, procurando responder na mesma medida com fundos para o Exército.

“Nesta outra vida, apoiamos as Forças Armadas da Ucrânia e tentamos fazer algo pelo nosso país”, afirma Yevhen Petrov no escritório da organização, próximo da praça Maidan, onde há uma década largos milhares de jovens como ele enfrentaram a repressão e forçaram uma mudança de fundo na Ucrânia, na sua aproximação irreversível ao Ocidente.

A angariação de milhões de hryvnias (moeda ucraniana) foi a forma que, ao lado da sua principal ocupação anterior em tecnologias de informação, encontrou de colocar os seus talentos e criatividade ao serviço do esforço de guerra, no caminho para a vitória, uma palavra perigosa.

“Toda a gente fala em vitória, e esse tema é fundamental, é certo, mas também muito quente e difícil”, adverte Yevhen Petrov, recordando que, no início da invasão, quando as forças russas se acercaram de Kiev e foram repelidas um mês mais tarde, os ucranianos eram muito mais unidos do que agora: “Falavam da guerra, estavam a tentar fazer alguma coisa, não importa o quê, se era nos negócios, numa faculdade, da educação, na informática ou `design`. As pessoas estavam a tentar encontrar-se”.

Na altura, recorda que era possível recolher milhões em poucos dias e, atualmente, reúne cem mil hryvnias (2,4 mil euros) em quatro meses, o que sinaliza que os ucranianos não podem adormecer na sua atitude, dar a propaganda de vitória como certa e fazer mais alguma coisa por ela, como a campanha que está a preparar e que atira muito mais alto.

Nesta fase, tenta internacionalizar a atividade das campanhas da organização, trazendo nomes que toda a gente conhece do futebol ucraniano, como Alexander Zichenko, jogador do Arsenal: “Vamos tentar obter 30 milhões de hryvnias (732 mil euros) e queremos ver como é que a audiência internacional vai funcionar, porque Alexander alcançará uma audiência da Inglaterra e da Grã-Bretanha e outra híbrida de vários lugares”, comenta, mantendo-se porém a prioridade de chegar aos ucranianos, através de todas as ferramentas possíveis nas redes sociais.

“As pessoas têm de fazer muito mais, mesmo que já o tenham feito 400 vezes”, sugere o jovem ativista, mesmo que estejam cansadas e tentem seguir as suas vidas. “Mas estamos todos e certamente menos em comparação com os nossos soldados na linha da frente. Se desistirem, no dia seguinte já não haverá Ucrânia”.

Nesta fase, defende o responsável da Public Diplomacy Platform, “todos têm de compreender que, antes de mais, a prioridade deve ser trabalhar para o país e assumir que todo o tipo de atividade, das empresas à indústria, deveria, antes de mais, ser militarizada”, do mesmo modo que demonstrou que a mobilização para campanhas de donativos resulta.

“Numa campanha, que nem sequer foi muito grande mas muito importantes para nós e que recolheu um milhão de hryvnias (24,4 mil euros), um tipo disse-me que não era capaz. `Epá, nunca fiz isto antes, não consigo sequer angariar cinco mil`. Em dois dias, conseguiu vinte… É um bom exemplo do que se consegue fazer”, conta.

Nesta batalha contra o imobilismo, em que luta pela atenção de influenciadores que não querem ser associados a temas militares, e por espaços sobrecarregados nas redes sociais, colocando projetos de assistência em filas de espera que podem ir até julho, Yevhen Petrov procura persuadir que todos os pequenos gestos contam, nem que seja através de um código QR num bar ou restaurante para pequenas quantias: “Pode ser apenas menos um café por dia”.

O desprendimento que encontra em Kiev, fustigada regularmente pelos raides aéreos russos, e de forma sem precedentes no final do ano passado e início de 2024, sente-o ainda mais na diáspora e nas pessoas conhecidas que segue nas redes sociais, agora na condição de refugiados.

“Quando estavam na Ucrânia, gritavam `parem a guerra`. Só que se foram embora para a Polónia, Alemanha, Espanha, Portugal, o que for, e até podiam esquecer a guerra por um dia talvez, uma semana, um mês ou alguns meses, mas começaram a construir uma nova vida e, quando se percorre as suas histórias no Instagram, têm agora outros problemas e esqueceram-se do seu país, da sua pátria”, lamenta. “A propósito, quanto custa um café em Portugal?”

Yevhen Petrov desafia os portugueses, cujo apoio à Ucrânia é na generalidade reconhecido, também a fazer a sua parte e contribuir através das instituições existentes no país, ao mesmo tempo que rejeita a ideia que se pode estar a instalar no exterior de que a Ucrânia está a perder a guerra, sobretudo desde que a contraofensiva no segundo semestre do ano passado ficou aquém das expectativas de Kiev e dos seus aliados.

“Gostaria de lembrar que, quando falamos de contraofensiva, ela decorre todos os dias na linha da frente. Não se trata apenas de um momento separado em que se pode dizer `OK, hoje vamos à ofensiva, hoje estamos a libertar todos os nossos territórios`. Não funciona assim e talvez o nosso Governo ucraniano tenha criado essa ideia”, alerta.

Do mesmo modo que não se ganha a guerra de um momento para o outro, também não se perde, prossegue: “Podíamos ter perdido em fevereiro de 2022, em 2023, ou podemos perder durante este ano”.

O secretário-geral da ONG acha que há um problema de comunicação pública do Governo, mas também de `bloggers` e influenciadores, que “não fornecem a qualidade de opinião que é preciso”, mas também insta os ucranianos a buscar informação na sua “quantidade enorme de perguntas para uma quantidade menor de respostas” e estejam atentos até às “tretas da Rússia”, usando espírito crítico, dando o exemplo da mediática recente entrevista do líder do Kremlin, Vladimir Putin, a Tucker Carlson.

“Basicamente, ele [Putin] disse que a Ucrânia não poderia existir e só isso deveria abrir os olhos das pessoas e também pressionar os nossos parceiros de todo o mundo a começarem a fazer algo mais, porque é impossível ter algum tipo de negociação ou conversa com este tipo”, observou.

No seu esforço de chegar ajuda ao Exército, Yevhen Petrov parte do princípio de que o Governo não consegue satisfazer todos os pedidos, falando-se em todos os instantes de `hardware` militar e de veículos blindados, tanques, `drones`, armas automáticas ou munições, mas não, por exemplo, de uma simples roda ou de um pneu para um carro, ou ainda de ferramentas para o reparar.

“Aqui, num dia podem estar -10 graus de temperatura, noutro dia podem estar mais 10. Está sempre tudo a mudar e as rodas e os pneus também são destruídos”, refere, mencionando igualmente que os tanques e blindados usam combustíveis e fluidos diferentes.

Os próprios carros em lugares remotos nas zonas mais críticas no Donbass, leste da Ucrânia, enfrentam terrenos tão adversos que nem uma `pick up` consegue levar munições à frente de combate nem retirar feridos, sendo cada vez mais frequente o uso de `buggies`, que custam o dobro de uma viatura vulgar.

“Não se pode dizer que é um grande projeto, mas é algo sem a qual uma divisão ou um grupo normal de militares não pode sobreviver na linha da frente, e que pode significar a diferença para não ficarem feridos ou, na pior das hipóteses, serem mortos”, assinala.

Se a campanha em preparação atingir a meta de 30 milhões de hryvnias, uma grande quantidade de carros será adquirida, mas também `drones` e dispositivos radioeletrónicos para neutralizar aqueles que são utilizados pelos inimigos, que mudam constantemente as suas frequências. “Ao contrário do que muitas vezes se ouve por aqui, os russos não são estúpidos”, adverte, e, muitas vezes, estarão até vários passos à frente em equipamento militar.

Com todas as dificuldades, medos e distanciamentos à sua volta, Yevhen Petrov espera que a Ucrânia saia por cima na maior ameaça da sua história, mas também que o país se adapte a uma nova realidade.

“Não é a primeira guerra e não é a última guerra. Mesmo que termine esta fase ativa de guerra, e penso que a teremos em algum momento, será uma mera pausa”, observa, alertando: “Temos de nos preparar para algo ainda maior dentro de cinco ou dez anos”.

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