Brasil parece ter inventado uma religiosidade neoliberal, diz Christian Dunker

brasil parece ter inventado uma religiosidade neoliberal, diz christian dunker

Brasil parece ter inventado uma religiosidade neoliberal, diz Christian Dunker

A quarta temporada do podcast Pauta Pública retorna com os assuntos que não podemos mais adiar. Em seu primeiro episódio, o podcast entrevista o professor, psicólogo e psicanalista Christian Dunker, autor de, entre outras obras, Mal-estar, sofrimento e sintoma, de 2015 e Lacan e a democracia, de 2022, ambas publicadas pela editora Boitempo.

Na conversa, Dunker fala sobre como o cristianismo no Brasil, sobretudo os protestantes, reinventaram o sentimento de culpa cristã criando uma lógica de prosperidade que seria alcançada através da religião. Com isso, foi possível associar religião e mesmo a figura de Jesus a carros, dinheiro e até mesmo armas. “No fundo, parece uma invenção à brasileira de uma religiosidade neoliberal.”

Dunker também discorre sobre a angústia climática — a angústia que é alimentada pelos efeitos das alterações climáticas e das catástrofes que elas intensificam. O psicanalista comenta que já escuta de pessoas que não irão fazer seus planos de aposentadoria porque o mundo está tão incerto que não sabem como será o futuro, ou casos de pessoas que desistem de ter filhos pensando nas próximas gerações. “E isso muda muito o agora, porque muda o sentido de pertencimento, encurta os sonhos e produz sonhos defensivos”, avalia.

Por outro lado, Dunker também pondera que há um imediatismo na vida atual que cria uma falsa promessa de que, ou se muda o mundo com uma ação, ou nada pode ser feito. “Com a aceleração do mundo, com tudo cada vez mais rápido, cada vez mais tecnológico, a gente se formou numa temporalidade que não é a temporalidade real, é a temporalidade digital. Isso produz um sistema de oposições que são a hiperpotência e a impotência”, avalia.

Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.

[Andrea Dip] Estava vendo um vídeo seu sobre o papel da culpa na religião. Você fala sobre culpa, vergonha, nojo e hierarquia moral, os honestos e os desonestos, o bem contra o mal. De que maneira a religião, o cristianismo — predominante no Brasil hoje — interfere nas narrativas de pânico moral?

As religiões têm um know-how [conhecimento] que precisamos reconhecer. A ética protestante vem com o espírito do capitalismo. Portanto, cada momento novo do capitalismo vai requerer uma forma religiosa, uma “invenção do espírito”. O que a gente tem nos últimos tempos — e ainda está por se interpretar — é uma metamorfose dentro do cristianismo, a ponto de muitos dizerem “isso é o contrário do que eu sempre ouvi” como: Cristo atrás de uma arma; pastor com carros de último tipo; prosperidade para todos porque a riqueza é o que vale. No fundo, parece uma invenção à brasileira de uma religiosidade neoliberal.

É preciso perceber que a religião está mais adaptada aos novos tempos. Tem a ver com o regime de trabalho flexível, com o uso de sofrimento para aumentar o desempenho, com laços mais instrumentais entre as pessoas. Os protestantes têm os textos do Paul Tillich, porque é um jeito de colocar o sagrado no cotidiano. Como se Jesus estivesse no ponto de ônibus ou se Deus tivesse segurado a barra quando você passou de ano. É uma relação extremamente viva com o sagrado.

Então, é preciso de alguns ingredientes para marcar o ponto do espírito do capitalismo. Para reverter, criticar ou alterar este discurso religioso, dependemos da sociedade produzir outro regime de crenças, que resolva alguns problemas. É um problema para uma reinvenção que podemos chamar de “religiosidade deflacionada da teologia” ou “religiosidade deflacionada do transcendental”, que já temos no Brasil: a teologia da libertação, uma teologia católica de esquerda. Mas a teologia da libertação acabou se perdendo com o tempo.

Por fim, a culpa deixa de ser um mesmo afeto. Para o catolicismo tradicional, a culpa era um sistema de circulação e compartilhamento. Hoje em dia, na religiosidade a culpa não está mais dentro das pessoas, porque elas fazem tudo da maneira correta. E a culpa acaba indo para fora, isso cria uma outra maneira de articular politicamente esse circuito de afetos.

[Clarissa Levy] 2023 começou caótico, mas com esperanças. Em 2024 também temos o caos, mas há menos esperanças. Talvez essa redução das esperanças seja devido ao calor recorde no ano anterior, ou as chuvas e a iminência de que os eventos climáticos extremos vão ser cada vez mais frequentes. Qual o peso que essa iminência de um colapso climático gera em nós? Como você tem visto isso?

A ideia da ansiedade climática é uma pauta nova. Comparado ao começo do ano passado, estamos melhores, eu estou mais otimista. Temos discussões que levam a tomadas de responsabilidade, temos uma consciência que está se formando em torno dessa conversa. Estamos atrasados, porque teve toda a devastação, mas eu também acho que os atores estão mais sensíveis a críticas, a regulações. Ainda que existam derrotas eu estou achando um assunto promissor.

Tenho percebido a angústia climática trazendo algo que eu nunca tinha visto. São pessoas não muito próximas do assunto, dizendo que não irão fazer seus planos de aposentadoria porque de repente o mundo não chega até lá, ou desistindo de ter filhos pensando na sobrevivência das próximas gerações. E isso muda muito o agora, porque muda o sentido de pertencimento, encurta os sonhos e produz sonhos defensivos, tem muitas coisas que são bem ruins. E que vão vindo com isso que chamamos de angústia ou ansiedade climática.

[Clarissa Levy] Eu queria seguir nisso que você falou do medo, do encurtamento de sonhos. Como você tem visto essa sensação de ‘ah, não tem nada mais que a gente possa fazer’? Num mundo dominado por grandes corporações, onde, por exemplo, não conseguimos nem evitar que as empresas roubem ou usem nossos dados, de que maneira essa sensação geral, de falta de autonomia nos afeta?

Acho que o Lacan teve uma intuição bem interessante, né? Quando ele olhou pra psicopatologia da psicanálise, ele falou: ‘talvez a gente vá começar a sofrer de outro jeito’. Antes havia esse conflito moral contra o desejo, uma moralidade bem definida. Daí, migramos para uma forma de sofrimento narcísica: eu não me adapto, eu me sinto vazio, sozinho, há algo na minha forma, o indivíduo me faz sofrer.

Acho que estamos indo para um outro momento, onde a diferença que vai importar será entre potência e impossibilidade. Acho que boa parte da questão que você está trazendo é baseada, assim, em subjetividades que nasceram e foram criadas à base de uma hiperpotência. A transformação é muito acelerada e, junto disso, há uma idealização do tempo de transformação.

Com a aceleração do mundo, com tudo cada vez mais rápido, cada vez mais tecnológico, a gente se formou numa temporalidade que não é a temporalidade real, é a temporalidade digital. Isso produz um sistema de oposições que são a hiperpotência e a impotência.

Ou eu faço algo que será, pô, ‘do caramba’, que vai mudar tudo, alterar a rota do barco, ou a gente não pode nada, eu me demito, as forças do cosmos são tão maiores do que as minhas possibilidades que eu só posso dar W.O.

Mas o que eu estou evitando com essa alternância entre onipotência e impotência? Há coisas que são estruturalmente impossíveis. Que são, vamos dizer assim, certos empasses, dificuldades, que não se resolvem por falta de força de vontade, de fé, de conhecimento, de educação, de poder.

Criamos uma invenção de que a felicidade enquanto estado perene e permanente é algo que você pode adquirir em algum lugar, que está a venda — você só não tem o dinheiro pra comprar… Isso é loucura. Não tem, gente. Não tem isso aí.

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