Facilidade em mudança no arcabouço fiscal gera temor de novos dribles

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A facilidade com que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu alterar o arcabouço para antecipar a ampliação dos gastos em 2024 surpreendeu economistas, arranhou a credibilidade da política fiscal e acendeu um alerta para o risco de novas mudanças na regra.

A rapidez da articulação, feita sem alarde e descoberta apenas após a aprovação do texto pelo plenário da Câmara, deflagrou o temor de que o roteiro se repita no futuro, quando o Executivo enfrentará novos obstáculos ao seu desejo de elevar despesas.

Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento não se pronunciaram oficialmente sobre o tema.

Nos bastidores, a Fazenda buscou minimizar o impacto da mudança com a justificativa de que a espinha dorsal do arcabouço foi mantida.

Interlocutores da pasta também argumentam que analistas do mercado financeiro já contavam com o aumento do limite de despesas em R$ 15,7 bilhões a partir de maio, e o que mudou foi somente o momento da liberação da verba.

A alteração não levou, isoladamente, a uma piora nas projeções para o resultado das contas públicas, mas especialistas ouvidos pela reportagem alertam que o episódio deixou a sensação de que a barra para mudanças ficou mais baixa.

Se chancelada pelo Senado, essa seria a terceira alteração relevante na lei que criou o novo marco fiscal em pouco mais de oito meses de vigência –a norma foi sancionada por Lula em 30 de agosto de 2023.

Para os economistas, a sucessão de furos no arcabouço pode impor custos à política fiscal no médio prazo.

“O mercado não respondeu à aprovação da mudança porque já estava na conta o aumento das despesas, mas não quer dizer que tem custo zero para a credibilidade”, diz Fabio Serrano, economista-sênior do BTG Pactual.

Para ele, o que mais chamou atenção foi a velocidade da negociação.

O jabuti –como são chamadas as matérias estranhas a um texto legislativo– foi incluído nos minutos finais da votação do projeto que recria o DPVAT, seguro que indeniza vítimas de acidente de trânsito.

“Não estava nem no radar. Vejo um governo que sempre vai achando maneiras de contornar algumas das restrições que o arcabouço originalmente traria”, diz Serrano. Ele espera uma votação no Senado sem atropelos.

O economista-chefe para Brasil no Banco Barclays, Roberto Secemski, afirma que o episódio enfraquece a credibilidade do arcabouço.

“A barra para mudanças ficou mais baixa. A gente viu como isso agora, de surpresa, sem nenhuma discussão prévia, foi feito na Câmara e pode evoluir com rapidez no Senado também”, diz.

Secemski afirma que, embora o mercado já esperasse a liberação dos R$ 15,7 bilhões em 2024, havia uma dúvida se os dados de maio permitiriam ao governo usufruir do potencial máximo desse crédito –já que ele é condicionado ao desempenho da arrecadação.

Segundo ele, a antecipação não permite uma avaliação completa da situação, como foi prescrito no arcabouço.

“Mais que os R$ 15 bilhões, a preocupação é o precedente que isso cria para novas mudanças daqui para frente. Vemos várias mudanças que sugerem um certo oportunismo na forma como o arcabouço é implementado”, afirma Secemski.

O governo Lula já havia gerado ruídos em torno de sua política fiscal em 2023, antes mesmo de o arcabouço entrar de fato em funcionamento.

No fim do ano passado, outras duas mudanças articuladas pelo Executivo foram interpretadas pelo mercado como um sinal de baixa disposição do governo em se sujeitar às restrições impostas pela regra fiscal.

A primeira delas foi a inclusão de um dispositivo na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para limitar o contingenciamento a R$ 25,9 bilhões. A medida –considerada o primeiro furo no arcabouço– diz que a trava não pode comprometer o piso de crescimento real da despesa, que é de 0,6%.

Sem isso, o texto original do novo marco permitia um bloqueio de até R$ 53 bilhões em caso de frustração de receitas, o equivalente a 25% das despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos).

Até hoje a aplicação desse mecanismo é incerta. O TCU (Tribunal de Contas da União) ainda não julgou consulta feita pelo próprio governo para saber se adotar o contingenciamento menor gera ou não punição. Os auditores defenderam a penalidade.

O segundo furo apontado no arcabouço é a lei que permitiu excluir do limite de gastos 2023 um aporte de R$ 6 bilhões no programa Pé-de-Meia de combate à evasão escolar no ensino médio.

Embora a nova regra ainda não estivesse em funcionamento, o limite de despesas que vigorou no ano passado era regulado pela lei do marco fiscal –tanto que foi preciso aprovar uma nova lei complementar para efetivar a manobra.

A antecipação do crédito de R$ 15,7 bilhões seria a terceira mudança no arcabouço, mas outras medidas por vir também podem contribuir para minar a credibilidade da política fiscal do governo.

Como revelou a Folha de S.Paulo, um ajuste de redação permite ao Executivo assegurar desde já a manutenção desse valor na base de cálculo do limite nos próximos anos –algo que não era garantido no texto original da regra.

Com um limite maior de despesas de forma permanente e menos tração na agenda de arrecadação, o governo discute uma mudança na meta fiscal de 2025.

Ao apresentar o arcabouço, o governo indicou a intenção de perseguir um superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2025. O alvo deve ser reduzido para um patamar entre zero e 0,25% do PIB.

Para Secemski, a flexibilização da meta é outro fator que afeta a credibilidade, já que os gatilhos de contenção de despesas previstos em caso de descumprimento não serão acionados.

“Na prática, isso torna os gatilhos, que já são fracos, ainda mais inócuos. As punições não são suficientes sozinhas para corrigir a rota”, afirma.

A antecipação do crédito vai ajudar a recompor cerca de R$ 3 bilhões dos R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares que foram vetadas por Lula, medida que interessa a deputados e senadores.

A mudança também ajuda o Executivo a reverter o bloqueio de R$ 2,9 bilhões anunciado em março, além de acomodar pressões por verba para reestruturação de carreiras.

Após o desfecho da votação na Câmara, o Ministério da Fazenda entrou em campo para coordenar as expectativas na tentativa de barrar uma piora dos indicadores de mercado em meio à má repercussão da medida.

A equipe econômica transmitiu a analistas o discurso de que a saída foi política, numa articulação entre a Casa Civil e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cabendo à equipe econômica a função de mitigar estrago maior, que ocorreria com eventual alteração nos gatilhos acionados quando há estouro da meta.

Entre políticos, a versão é que a Fazenda apoiou a antecipação para facilitar as negociações de outras matérias importantes para a agenda do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

AS MUDANÇAS NO ARCABOUÇO FISCAL

1) Regra de contingenciamento

O arcabouço fiscal prevê que, se as receitas frustram a ponto de colocar a meta fiscal em risco, o governo precisa contingenciar despesas, respeitando a proporção máxima de 25% das despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos. Isso daria um total de R$ 53 bilhões no Orçamento de 2024.

A ala política do governo não queria correr o risco de uma trava tão elevada e pressionou pela mudança na meta. A Fazenda então emplacou na LDO de 2024 um dispositivo que restringe ainda mais o contingenciamento. A trava precisa respeitar o piso de crescimento real da despesa, que é de 0,6%. Com isso, o bloqueio máximo seria de R$ 25,9 bilhões. A área técnica do Tesouro recomendou veto ao dispositivo, que acabou sendo sancionado e está sob avaliação do TCU.

2) Pé-de-Meia

Em dezembro de 2023, o presidente sancionou uma lei que autorizou R$ 6 bilhões fora do limite de gastos para fazer um aporte no fundo que pagará o incentivo à permanência de alunos no ensino médio. A despesa seria feita em 2024, mas não havia espaço para acomodá-la sob o arcabouço.

A manobra antecipou o gasto e o excluiu do limite de 2023. Embora a nova regra ainda não estivesse em funcionamento, esse limite era regulado pela lei do arcabouço –tanto que foi preciso aprovar uma nova lei complementar (LC 203/2023) para excluir a despesa.

3) Antecipação de espaço extra

O arcabouço fiscal foi aprovado com a possibilidade de abertura de um crédito suplementar em 2024 caso a avaliação das receitas seja favorável no relatório do Orçamento do segundo bimestre, a ser divulgado no dia 22 de maio.

Na terça-feira (9), o governo articulou sem alarde na Câmara para antecipar esse prazo. O texto diz que o crédito poderá ser aberto após a primeira avaliação, divulgada em 22 de março. Na prática, a manobra exige do governo o cumprimento de um requisito que sabidamente já foi atendido.

Se aprovada no Senado, a medida vai permitir a liberação imediata de R$ 15,7 bilhões neste ano.

O QUE AINDA PODE VIR

Espaço extra de 2025 em diante

Um ajuste de redação na lei do arcabouço fiscal pode garantir ao governo não só a antecipação dos R$ 15,7 bilhões neste ano, mas a manutenção desse valor na base de cálculo do limite nos próximos anos.

Hoje, a lei estabelece uma punição: se o governo for excessivamente otimista na projeção de arrecadação só para destravar o crédito no valor máximo, o excedente em relação ao que de fato aconteceu precisa ser descontado da base de cálculo.

A nova redação desse artigo do arcabouço, porém, facilita o veto do presidente Lula –medida que já está no radar dos membros do Executivo.

Mudança na meta fiscal

Com um limite maior de despesas e menos tração na agenda de arrecadação, o governo discute uma mudança na meta fiscal de 2025. Ao apresentar o arcabouço, o governo indicou a intenção de perseguir um superávit de 0,5% do PIB em 2025. O alvo deve ser reduzido para um patamar entre 0% e 0,25% do PIB.

Com a flexibilização da meta, os gatilhos de contenção de despesas para o caso de descumprimento podem não ser acionados, o que é visto como mais um redutor da credibilidade da política fiscal.

News Related

OTHER NEWS

Neta de Ana Maria Braga tem novo nome revelado duas semanas após o nascimento

Mariana Maffeis, filha de Ana Maria Braga, divulgou o nome de sua filha em uma live no último domingo, 26. Segundo ela, sua caçula se chamará Hima. Ainda de acordo ... Read more »

Agora o Corinthians cai e ainda teve participação do Wesley: Torcida do Palmeiras fica agitada com situação agora de noite

Vitória do Cruzeiro deixa o Corinthians em situação super delicada e torcida do Palmeiras comemora Palmeiras campeão e Corinthians rebaixado O Palmeiras é o novo favorito ao título do Brasileirão ... Read more »

Com uma campanha histórica em Santiago 2023, Brasil recebe nove indicações ao Panam Sports Awards

Imagem da notícia Depois das 205 medalhas conquistadas em Santiago 2023, o país ainda pode vencer nove prêmios. Na segunda edição do Panam Sports Awards, o Time Brasil foi campeão de indicações, seguido pelos Estados Unidos, com oito. A campeã olímpica Rebeca ... Read more »

Alexandre Correa faz comentário sobre cachorro resgatado por Ana Hickmann: Preguiça desse vira-lata

Após acusações de agressão, internautas revivem fala do empresário Desnecessário! Em meio à polêmicas de agressão contra Ana Hickmann, os internautas reviveram um comentário do empresário Alexandre Correa mostrando desconforto ... Read more »

Guterres pede que líderes mundiais da COP28 acabem com 'ciclo mortal' do aquecimento

O secretário-geral da ONU, António Guterres, visita a Antártida, em 4 de novembro de 2023 O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu, nesta segunda-feira (27), aos dirigentes do mundo que ... Read more »

"Eu não tinha interesse nesses filmes": Vencedor do Oscar só entrou na Marvel pelo dinheiro

Vencedor do Oscar por Jojo Rabbit, Taika Waititi foi o diretor dos dois últimos filmes do Thor no Universo Cinematográfico Marvel, Thor: Ragnarok (2017) e Thor: Amor e Trovão (2022), ... Read more »

Cachorrinho resgatado por Ana Hickmann ajudou apresentadora durante agressões de Alexandre Correa; entenda

Hickmann já deu entrada nos papéis do divórcio baseado na Lei Maria da Penha Sempre dizem que os cachorros são o melhor amigo dos humanos, né? Leais, fofos e protetores, ... Read more »
Top List in the World