Transformar a importante escolha dos deputados europeus no adorno de uma contenda para a suposta presidência da União é um erro
A Europa não precisa de uma presidente
Ursula Von der Leyen anunciou que será cabeça de lista do Partido Popular Europeu nas eleições europeias de Junho e candidata a presidente da Comissão Europeia. Fez mal. A candidatura resolve um problema que não existe e contribui para criar outro que era dispensável. E não resolve o que a motiva: o dela.
O problema que não existe é o da suposta falta de democraticidade na União Europeia. Os governos são escolhidos democraticamente. Os deputados europeus são eleitos democraticamente. Em conjunto escolhem, negociam e votam quem preside à Comissão. É um processo democrático que obriga as várias partes a negociar.
O problema que ajuda a criar é o da crescente conflitualidade na política europeia. Que, para poder ser aceite por 27 países e mais de quatro centenas de milhões de cidadãos, deve ser o mais consensual possível, feita de compromissos, não de confrontos e divisões.
O seu problema é ser efectivamente escolhida pelo Conselho e eleita pelo Parlamento Europeu. Mas ser a candidata de um partido não a vai tornar mais querida dos deputados distantes do PPE. Pelo contrário. Mas Von der Leyen acha que os deputados a vão ajudar. Pode estar muito enganada.
Quem acha que a União Europeia devia entusiasmar mais e as eleições europeias deviam ser mais participadas tende a pensar que tornar as eleições numa escolha do ou da Presidente da Europa vai animar a coisa. É um erro. São, aliás, vários.
A presidente da Comissão não é presidente da Europa. E, enquanto o legislador continuar a ser o Conselho e o Parlamento, é só uma parte, muito importante, do triângulo da decisão europeia. Querer convencer os eleitores de que estão a eleger a presidente da Europa, quando estão a escolher uma de 27 membros de um colégio que apresenta propostas que outros decidem, só serve para criar equívocos e insatisfação.
Por enquanto, todos os estados da UE têm um comissário que, por norma, é do partido que está no governo no seu país à data em que é escolhido (e espera-se que nunca deixe de ser assim). Ou seja, mesmo que a presidente seja da lista mais votada para o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia não é uma coligação nem o governo de uma maioria. Pelo que não há, ou espera-se que não haja, uma oposição. Nem no Conselho, nem no Parlamento. A União Europeia não é um Estado nem uma Federação.
Acresce que os deputados europeus, alguns dos maiores entusiastas desta ideia, são quem sai a perder. Em vez de uma eleição de deputados de um dos parlamentos mais poderosos do Continente, vão ser o adorno de uma contenda para a suposta presidência da União.
A candidatura de Von der Leyen merece ainda um comentário sobre o conteúdo. A presidente foi uma boa presidente? Foi. Pelo menos segundo alguns critérios.
Úrsula Von der Leyen soube preencher o vazio deixado pela ausência alemã, depois da saída de Merkel e até há muito pouco tempo. Durante a pandemia, falou enquanto os governos nacionais tinham de gerir a realidade e, em muitos casos, a tragédia dos sistemas nacionais. A presidente da Comissão apareceu como se o assunto estivesse nas mãos de alguém responsável e tranquilo. E depois, soube vender a ideia dos empréstimos conjuntos, o PRR, como uma decisão que seria supervisionada com rigor por Bruxelas. Não foi., mas essa é outra questão. Na guerra da Ucrânia, Von der Leyen percebeu, desde o primeiro dia, a gravidade do momento, o desafio e a obrigação que se colocava à Europa. Num tema em que o imprestável Charles Michel podia ter assumido protagonismo, a presidente da Comissão falou antes, mais claro e melhor que todos. A começar por Macron e Scholz.
Tudo isto tem um reverso. A Comissão Europeia ganhou poder. Exerceu poder. Mais do que seria previsto e do que seria ideal, pelo menos para quem não queira um governo europeu para lá dos Estados membros. E, queixam-se muitos nos corredores da Comissão Europeia, fez tudo isso sem ligar grande coisa aos restantes Comissários, e coisa nenhuma aos serviços. A presidência Von der Leyen foi um bunker alemão.
E há, ainda, as críticas políticas, propriamente ditas. Foi uma Comissão Europeia que animou o proteccionismo, que fez curvas e contra-curvas em matéria de ecologia e economia, que que tentou condicionar a liberdade fiscal dos Estados, que reduziu a lealdade na concorrência no mercado interno. Mas isso é uma boa discussão política, que não ganha nada em ser transformada numa suposta escolha da presidente da Europa. Que Von der Leyen não é. Nem deve ser.
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