São a dupla de qualquer prato, mas às vezes 'inimigos' do intestino: porque é que algumas pessoas não toleram o alho e a cebola?

são a dupla de qualquer prato, mas às vezes 'inimigos' do intestino: porque é que algumas pessoas não toleram o alho e a cebola?

Alho e cebola (Freepik)

Da culinária mais complexa à receita mais preguiçosa, o alho e a cebola são a dupla que dá vida a quase todos os refogados, estufados e assados e, por isso, são uma presença frequente em qualquer prato. O consumo é recomendado pelos “compostos bioativos com propriedades anti-inflamatórias e antifúngicas” que contêm, diz-nos a nutricionista Patrícia Segadães, mas a verdade é que nem todas as pessoas reagem bem a estes dois alimentos.

Em causa, explica Ana Raquel Marinho, nutricionista especialista em Nutrição Clínica, estão hidratos de carbono de cadeia curta que, “sendo mal absorvidos a nível intestinal, apresentam um efeito osmótico (‘retém água’) e servem de “alimento” para a microbiota intestinal, da qual resulta a fermentação (‘gás’)”.

“O alho e a cebola contêm na sua composição concentrações elevadas de polióis, que podem não ser totalmente digeridos ou absorvidos, sendo mais tarde fermentados por bactérias no cólon”, continua a nutricionista Patrícia Segadães, da CogniLAB, adiantado que é por isso que surgem “sintomas variados como cólicas, distensão abdominal, gases, obstipação, inchaço ou até mesmo diarreia”.

Os polióis, também conhecidos como açúcares álcoois, são pouco digeríveis e, por isso, levam a uma fermentação maior por parte das bactérias do intestino. Mas a verdade é que tanto o alho como a cebola contêm ainda outro hidrato de carbono de cadeia curta: um tipo de oligossacarídeo chamado frutano.

Então, como pode uma pessoa saber se não tolera bem o alho e a cebola? ‘Ouvindo’ o corpo e prestando atenção ao movimento intestinal. “O diagnóstico nem sempre é fácil”, reconhece Patrícia Segadães, revelando que “não existem marcadores biológicos que identifiquem o problema”.

Tal como esclarece a nutricionista do CogniLab, “não existe um teste capaz de identificar a situação” e apenas a “dieta de exclusão por um período mínimo de duas semanas”, preferencialmente acompanhada por um profissional, e a anotação de refeições, sintomas e melhorias num diário alimentar, podem ajudar a despistar se o alho e a cebola são mesmo os vilões ou se, na verdade, existem outros.

O papel do protocolo FODMAP para o devido despiste

Os frutanos, os galactanos, os oligossacarídeos, os dissacarídeos, a lactose e a frutose são os hidratos de carbono que mais podem causar sintomas gastrointestinais. Estas substâncias fazem parte do conjunto de hidratos de carbono associados, por exemplo, à Síndrome do Intestino Irritável (SII, ou síndrome do cólon irritável), os chamados FODMAP, acrónimo para “fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols”, em português: oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis.

Para a maioria das pessoas, estes tipos de hidratos de carbono são inofensivos, no entanto, quem apresenta algum tipo de problema de motilidade intestinal ou uma parede intestinal mais sensível acaba por ter uma reação mais exacerbada. E no caso destes dois alimentos em concreto, até uma quantidade pequena é capaz de causar ‘danos’.

“Como mesmo em quantidades reduzidas de cebola e alho o teor em FODMAP é alto, quem implementa o protocolo na sua versão mais restrita deverá evitar o consumo destes alimentos nas primeiras fases. É importante referir também que, como os FODMAP são solúveis em água, é desaconselhado que se utilize alho e cebola na confeção dos pratos, mesmo que depois estes não sejam consumidos”, adianta Ana Raquel Marinho.

A nutricionista Ana Raquel Marinho trabalha diretamente com os chamados FODMAP e com o protocolo criado pela Universidade de Monash – pioneira no tema e que se dedica à  investigação da Síndrome do Intestino irritável, tendo já quantificado e qualificado o teor fermentável de vários alimentos. Na sua página de Instagram, a nutricionista dedica-se a explicar em que consiste esta dieta e como pode ajudar em alguns casos de patologia intestinal.

A dieta low FODMAP “pode ser uma ajuda preciosa para quem apresenta intolerância a estes compostos”, admite a nutricionista Patrícia Segadães, mas o recomendado é que seja feita com acompanhamento e limitada no tempo, sob a pena de causar carências nutricionais quando são excluídos alimentos ou grupos alimentares sem uma razão aparente.

Segundo a nutricionista Ana Raquel Marinho, esta dieta divide-se em três fases. A primeira, com duração de duas a oito semanas, “corresponde à restrição dos alimentos com teores elevados nestes hidratos de carbono fermentáveis”, sendo que “esta fase tem como objetivos perceber a resposta individual a esta restrição e reduzir e controlar a sintomatologia”.

Segue-se a segunda fase, de oito a dez semanas, a chamada fase de testes, como diz a nutricionista Ana Raquel Marinho. Aqui, dá-se a reintrodução de um alimento “de cada um dos subgrupos de FODMAP, em diferentes quantidades e de forma faseada”. Diz a especialista que “esta fase permite-nos assim perceber não só os subgrupos tolerados mas também o grau de tolerância individual a cada um deles”, uma vez que a quantidade ‘ideal’ varia de pessoa para pessoa e de alimento para alimento.

Por fim, “a terceira e última fase corresponde à fase de personalização, onde se passa a diversificar mais o padrão alimentar com base nos resultados dos testes da fase 2, que passa a incluir os subgrupos tolerados”.

Então, se o alho e a cebola me causam sintomas, isso quer dizer que nunca mais os posso comer?

Não necessariamente. O impacto que os alimentos têm no intestino pode variar e é influenciado por vários fatores, desde a quantidade à frequência de consumo, passando até pelo stress que a pessoa experiencia em determinada fase da vida. Além disso, salvo casos de alergia ou por recomendação médica, retirar alimentos da dieta traz riscos.

Segundo Ana Raquel Marinho, “as intolerâncias podem ser transitórias e variar ao longo do tempo”, o que, diz, “significa que pode não ser necessário excluir estes alimentos diariamente e para sempre”. E dá um exemplo: “Se na fase 2 a pessoa percebe que o alho e a cebola estão associados ao agravamento dos seus sintomas, deverá repetir a fase de testes destes alimentos após 4-6 meses”, quase como um tira-teimas.

Além do mais, continua Ana Raquel Marinho, “alguns estudos dizem-nos que esta restrição a médio e longo prazo traz inúmeras consequências negativas, nomeadamente défices nutricionais, influência negativa na microbiota com menor diversidade de bactérias benéficas e diminuição da qualidade de vida associada a um padrão alimentar restritivo, pelo seu impacto emocional, familiar e social”.

Embora o maior conhecimento sobre os hidratos de carbono fermentáveis esteja a ajudar a adaptar dietas e a reduzir o sintoma nas pessoas com queixas gastrointestinais ou diagnóstico de Síndrome do Intestino Irritável, a nutricionista Ana Raquel Marinho alerta que “o teor de FODMAP dos alimentos não deve ser o único fator a ter em consideração nas intervenções desta natureza”, pois, “um padrão alimentar rico em alimentos com elevados teores de açúcar e gordura saturada favorecem a disbiose, isto é, o desequilíbrio desfavorável na composição da microbiota, que por si só pode estar associada a um agravamento dos sintomas e um comprometimento do processo digestivo”.

Por seu turno, continua, “padrões alimentares saudáveis promovem uma mucosa gastrointestinal também ela saudável, aumentando o grau de tolerância”.

Quais as alternativas ao alho e à cebola para quem está a tentar perceber se são a causa dos sintomas?

Para muitas pessoas, fazer um refogado ou um assado sem alho e cebola é impensável, mas o segredo está mesmo em pensar fora da caixa. Ana Raquel Marinho sugere que se use “a parte verde do alho-francês e do cebolo e cebolinho fresco” ou até “cenoura e o pimento”. O “vinho e os próprios citrinos, como casca ou sumo do limão, laranja e lima”, podem também ser aliados na confeção de refeições e “existem também alguns molhos comerciais que podem aumentar e melhorar o sabor dos cozinhados, como a mostarda, molho de soja, molhos à base de tomate e o próprio vinagre”, continua.

Como alternativa ao uso de alho e cebola na cozinha, a nutricionista Patrícia Segadães sugere “a utilização de uma maior quantidade de especiarias”, defendendo que esta “será sempre a melhor opção e a forma de oferecer mais sabor aos cozinhados”. Mas há mais: as folhas de louro ou ervas aromáticas podem também ser aliadas, mas, quanto a estas últimas, a nutricionista Ana Raquel Marinho deixa um alerta: é importante ler os rótulos, pois “as misturas de ervas já prontas costumam ter alho e cebola em pó na sua composição”. A Universidade de Monash recomenda ainda a infusão de alho em azeite.

“Como os FODMAP não são lipossolúveis (não se dissolvem em gordura), uma das estratégias mais comuns passar por usar azeite aromatizado com alho e cebola, que pode ser feito de forma tradicional e em casa, sendo que já existem algumas opções comerciais disponíveis no mercado nacional”, explica a nutricionista Ana Raquel Marinho.

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