SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Detalhes incomuns da anatomia da laringe explicam como as baleias conseguem emitir seus chamados debaixo d’água, comunicando-se por distâncias de vários quilômetros com possíveis parceiros e rivais. Ao que tudo indica, uma “almofadinha” de gordura estrategicamente posicionada na garganta dos mamíferos gigantes é responsável por potencializar suas habilidades vocais.
Essas conclusões vêm de uma nova análise da anatomia dos animais, publicada na revista especializada Nature por cientistas europeus e americanos. Os dados da equipe liderada por Coen Elemans, da Universidade do Sul da Dinamarca, aplicam-se às espécies do grupo dos misticetos, que inclui cetáceos com placas filtradoras no lugar dos dentes, como as jubartes e as baleias-azuis (essas últimas são, até onde sabemos, os maiores animais de todos os tempos).
Com efeito, o mistério sobre a produção das vocalizações se refere apenas aos misticetos porque o outro grupo de cetáceos, o dos odontocetos (animais com dentes, como os golfinhos, orcas e cachalotes), tem um sistema de produção de chamados mais estudado e bem compreendido. Golfinhos, orcas e companhia usam o aparato nasal -o que, em animais terrestres, seria o nariz- para emitir sons.
No entanto, é bem mais difícil estudar os misticetos, levando em conta, por exemplo, seu tamanho descomunal, o que inviabiliza a criação em cativeiro. Por isso, a equipe chefiada por Elemans precisou trabalhar com laringes extraídas de indivíduos pertencentes a três espécies (baleia-sei, minke e jubarte) -as baleias tinham morrido por causas naturais.
As estruturas anatômicas extraídas das baleias passaram primeiro por sessões de tomografia computadorizada. Mais importante ainda, os pesquisadores desenvolveram um sistema in vitro que lhes permitiu simular a passagem de ar e a produção de sons na laringe -como se os animais mortos voltassem a “falar baleiês”. Por fim, os cientistas usaram todos esses dados para alimentar uma simulação computacional de como seriam produzidas as vocalizações das três espécies.
A conclusão da equipe é que as baleias do grupo modificaram o padrão ancestral de vocalização dos mamíferos, baseado na vibração das pregas vocais (também conhecidas como “cordas vocais”) da laringe. No caso dos cetáceos, a principal interação vibratória envolve essas pregas, que têm um formato de U, e a almofada formada por um acúmulo de tecido adiposo acima delas.
“Esse resultado indica que o ar segue um caminho alternativo que vai da lateral para o centro da laringe, e não de alto a baixo dela, como se acreditava antes”, escreve Joy Reidenberg, que trabalha no Centro de Anatomia e Morfologia Funcional do Hospital Monte Sinai, em Nova York, e comentou o estudo a pedido da Nature. “A presença de dois locais diferentes onde as vibrações podem acontecer aumenta as habilidades vocais das baleias, e me pergunto se isso não é o que permite que elas produzam dois sons distintos simultaneamente”, outra capacidade famosa dessas espécies.
Essa estrutura vocal, no entanto, tem um lado negativo também. De acordo com as simulações feitas no estudo, as características da laringe das baleias limitam os sons que elas podem produzir a uma faixa de frequências sonoras que, para azar delas, tem grande sobreposição com os ruídos oriundos das embarcações humanas.
Ou seja, é como se a “rádio pirata” do tráfego humano estivesse atrapalhando a comunicação dessas espécies. Não é simples resolver essa sobreposição de frequências, mas restringir a passagem de embarcações em áreas-chave para a alimentação e reprodução das baleias poderia trazer algum alívio.
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