Estudo aponta para 1.854 presos políticos do Estado Novo na Madeira

Mais de 1.800 pessoas foram detidas na Madeira pelas polícias políticas do Estado Novo, entre 1933 e 1974, um número “muito superior ao que se poderia supor”, revela um trabalho de investigação hoje apresentado em livro, no Funchal.

estudo aponta para 1.854 presos políticos do estado novo na madeira

Mais de 1.800 pessoas foram detidas na Madeira pelas polícias políticas do Estado Novo, entre 1933 e 1974, um número “muito superior ao que se poderia supor”, revela um trabalho de investigação hoje apresentado em livro, no Funchal.

“Houve muitos mais presos do que se julgava. Num primeiro levantamento, com base no Registo Geral de Presos da PIDE, que está na Torre do Tombo, não chegavam a 600 [589], com grande incidência na Revolta do Leite [levantamento popular ocorrido em 1936], mas depois, quando começámos a ver as Ordens de Serviço da PIDE, começaram a aparecer muitos mais e aí identificámos mais 1.265”, explica Élvio Passos, um dos autores do estudo.

“Presos Políticos do Estado Novo na Madeira” é o título do livro que sintetiza o trabalho de investigação, pioneiro ao nível da região, desenvolvido ao longo de dois anos por Élvio Passos, jornalista do Diário de Notícias da Madeira, em parceria com o advogado João Palla Lizardo.

O estudo apurou que pelo menos 1.854 madeirenses, dos quais 1.735 homens e 118 mulheres, foram presos pelas polícias políticas do Estado Novo, nomeadamente a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), que operou entre 1933 e 1945, ano em que passou a designar-se Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e depois Direção-Geral de Segurança (DGS), entre 1969 e 1974.

A designação PIDE é, no entanto, a mais usada para referir as polícias políticas do período da ditadura.

“O estudo também vem demonstrar que a PIDE não foi tão branda na Madeira como muitas vezes se disse, incluindo até por pessoas que são insuspeitas”, refere Élvio Passo, para logo explicar: “Isto pode ter a ver um pouco com o facto de as elites terem alguma proteção. Mas, ao povo — ao agricultor, ao pescador, ao pintor, ao pedreiro, à doméstica — chegou e chegou bastante. Foram as principais vítimas na Madeira da PIDE”.

Acresce o facto de a maior parte das prisões ter ocorrido nos meios rurais, numa época em que também as zonas periféricas do Funchal eram rurais, e, por isso, facilmente ignoradas ou esquecidas.

O livro “Presos Políticos do Estado Novo na Madeira”, editado pelo Diário de Notícias da Madeira, aborda as grandes levas de presos, apresenta resenhas biográficas de 26 detidos que se destacaram e cinco testemunhos de pessoas que foram direta e indiretamente envolvidas e também foca as perseguições a Testemunhas de Jeová, aos Centros Espíritas e aos ciganos.

Élvio Passos esclarece que o maior número de detenções — mais de 500 — ocorreu na sequência da Revolta do Leite, um levantamento popular em 1936 contra uma medida do governo de Salazar que instituía o monopólio do leite.

Depois, em 1948, houve uma “vaga repressiva” contra a estrutura do Partido Comunista na Madeira e foram presas mais de 50 pessoas e, mais tarde, em 1962, no decurso da Revolta das Águas, outro levantamento popular, agora na Ponta do Sol, zona oeste da ilha, foram detidas 65 pessoas.

Em 1969, foram identificados 90 presos, provavelmente no âmbito das eleições para a Assembleia Nacional, que foram as primeiras em que houve oposição na Madeira.

A esmagadora maioria dos presos, contudo, está relacionada com a emigração clandestina.

“Um indivíduo comunicava à PIDE que pretendia emigrar, a PIDE solicitava informações à Câmara e esta ao regedor. Acabava por haver uma teia de interesses condicionada. Havia o senhor que precisava do indivíduo que queria emigrar para trabalhar na terra e muita gente não conseguia emigrar legalmente, seguia a via clandestina e acabava preso. Daí que consideramos a emigração clandestina também como presos políticos”, explicou Élvio Passos.

O efetivo da PIDE na Madeira foi sempre reduzido, variando entre sete e 18 elementos, e uma grande parte das detenções ocorria por curtos períodos e em prisões na região, mas também há registo de presos enviados para o continente e, quando eram levados a julgamento — pelo menos 224 –, eram absolvidos ou condenados a penas não superiores ao tempo de detenção já verificado.

O estudo de Élvio Passo e João Palla Lizardo apresenta, em anexo, uma listagem na qual são nomeados todos os presos identificados, a data da primeira prisão ou, quando esta não foi possível aferir, a data mais antiga, documentalmente comprovada.

“Se a realidade nacional for semelhante, em proporção, à que encontrámos na Madeira, o número total de presos no país não será 30 mil, mas entre 70 a 90 mil”, explicou Élvio Passos, referindo-se ao facto de os estudos já realizados sobre os presos das polícias políticas terem por base apenas o Registo Geral de Presos, não considerando as ordens de serviço.

O livro “Presos Políticos do Estado Novo na Madeira” tem prefácio do representante da República para a Madeira, Ireneu Barreto, e é apresentado hoje, às 16:00, no salão nobre da Assembleia Legislativa da Madeira, pelo antigo procurador-geral da República Cunha Rodrigues.

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