Do racismo da era colonial ao nazismo

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Como é que a violência contribuiu para as teorias racistas nas colónias alemãs?

No início dos anos 1900, as tropas coloniais alemãs conseguiram vencer a resistência na Tanzânia, Camarões, Togo e Namíbia através de atos de violência e terror inimagináveis. De 1905-1907, a rebelião Maji Maji e a política de terra queimada que se seguiu na Tanzânia mataram mais de 300 mil pessoas. O primeiro genocídio do século XX na Namíbia resultou na morte de cerca de 80% do povo OvaHerero e de 50% do povo Nama.

O colonialismo levou para os territórios ocupados em África médicos em busca de curas para doenças como a malária e a doença do sono. Mas também colocou os colonialistas e os intelectuais em contacto permanente com os não europeus, e o racismo gerado pela subjugação assumiu um tom científico e sinistro.

Como é que a Alemanha procurou legitimar o seu domínio através do conceito de “raça”?

O racismo e a ideia de que havia diferenças entre pessoas com uma aparência diferente eram aceites. Mas era difícil encontrar uma justificação científica para o racismo. Como é que se podia dizer que as “raças” eram fundamentalmente diferentes se as pessoas se tinham misturado desde o início?

Em 1908, o antropólogo Eugen Fischer chega ao Sudoeste Africano para estudar os Rehoboth Basters – uma comunidade, que ainda hoje existe na Namíbia e que é descendente de europeus e de africanos locais. Falavam uma variante do holandês e tinham um estilo de vida maioritariamente europeu, eram cristãos e miscigenados.

Mas o objetivo de Fischer era encontrar traços genéticos e provar a hereditariedade das “características raciais” e, assim, estabelecer o conceito de “raça” na biologia. Porque se se pudesse provar cientificamente que havia uma diferença entre “raças”, então poder-se-ia justificar os papéis diferentes na sociedade. Ou, no caso do colonialismo, mostrar por que razão se justificava que a raça branca subjugasse as “raças inferiores”.

Ao estudar as crianças Baster, tirando medidas do crânio, observando a cor do cabelo e dos olhos e outros aspetos, Fischer concluiu que havia diferenças raciais entre os seres humanos. Ele acreditava que as pessoas de origens “mistas” eram superiores à população indígena, mas ainda assim subordinadas aos colonialistas. Por isso, defendia a “segregação racial” na sociedade. Em consequência, as uniões entre brancos e negros foram proibidas em todas as colónias alemãs.

Como é que a aceitação intelectual do racismo científico ajudou o colonialismo?

As teorias de Fischer e dos seus pares sobre a “raça” foram aceites cientificamente e despertaram tanto interesse pelo assunto que a procura de crânios e ossos de pessoas mortas na Tanzânia e na Namíbia disparou, tudo em nome da investigação e em busca de provas que mostrassem que os europeus eram “melhores” do que os povos colonizados.

Convenientemente para as autoridades médicas imperiais, os povos colonizados não eram suficientemente diferentes para serem excluídos das experiências médicas e das esterilizações forçadas efetuadas pelos médicos alemães nos africanos. O sistema colonial repressivo dava aos antropólogos acesso fácil aos corpos africanos para medir, contar e analisar.

As teorias e recomendações de Eugen Fischer sobre a chamada “pureza racial” foram praticadas em África e promovidas, na verdade, como uma forma de saúde pública.

Como é que as teorias de Fischer tiveram impacto no nazismo?

O ditador nazi Adolf Hitler terá lido a obra de Fischer “Os princípios da hereditariedade humana e da higiene racial” na prisão, tendo as suas ideias sobre pureza racial e hierarquia racial influenciado fortemente o seu próprio livro, “Mein Kampf”.

do racismo da era colonial ao nazismo

O trabalho de Fischer acabaria por influenciar as leis racistas e antissemitas de Nuremberga de 1935, que abriram caminho para que os nazis eliminassem gradualmente os judeus e outros grupos da sociedade alemã.

Haverá semelhanças entre a política nazi e a política colonial?

Linhas de pensamento como esta ou a utilização pela Alemanha imperial de campos de concentração nas então colónias levaram vários académicos a propor que os abusos alemães em África influenciaram a política nazi até ao final da II Guerra Mundial.

Muitos dos principais defensores da pureza racial alemã na Alemanha nazi estiveram ativos nas colónias. Um deles foi Fischer. Outro foi Ernst Rodenwaldt, que também começou como médico colonial no Togo e nos Camarões, onde implementou políticas de pureza racial. Rodenwaldt é considerado um defensor fanático da separação racial e da defesa do sangue alemão puro contra a mistura com os chamados povos “inferiores”, que por esta altura já se tinham alargado aos judeus, negros, ciganos e europeus de Leste.

do racismo da era colonial ao nazismo

Ernst Rodenwaldt

Mesmo depois da II Guerra Mundial – e apesar das suas ligações ao regime nazi, da sua influência associada à defesa do conceito de “raça” e do seu envolvimento em experiências humanas – Fischer e Rodenwaldt continuaram a ser académicos respeitados e nenhum deles teve de responder pelas suas ações, que acabaram por causar a morte de milhões de pessoas.

Como é que o racismo continuou na Namíbia após a saída da Alemanha?

A África do Sul começou a governar a Namíbia em 1919 e implementou a legislação racista do apartheid na década de 1940. Os esforços de Fischer para proibir o cruzamento de “raças” tiveram eco nas leis do apartheid que proibiam as uniões entre “raças”, como a Lei da Imoralidade e a Lei dos Casamentos Mistos, que vigoraram até 1990, quando a Namíbia se tornou independente da África do Sul.

Acima de tudo, a teoria racial procurava legitimar o poder e a violência dos europeus e dos seus descendentes sobre os povos colonizados e pouco tinha a ver com a saúde pública. E embora as autoridades coloniais alemãs não tenham sido a primeira, nem a única, nem a última potência colonial europeia a praticar este nível de teoria racial, as sombras lançadas por estas políticas desumanas perduram em África e na Europa até aos dias de hoje.

por:content_author: Cai Nebe

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