“Simular os mortos” é o lema do projeto de Jason Rohrer. O chatbot do “Project December” permite aos utilizadores conversar com os seus entes queridos, gerados através de IA
A morte não é o limite: chatbot de inteligência artificial permite falar com quem já morreu
A Inteligência Artificial tem revelado um fascínio particular quando o tema em cima da mesa é a morte. Agora, além de tentar prever quando um indivíduo vai morrer – através de uma “calculadora da morte” com base em detalhes básicos da vida pessoal -, o objetivo é desafiar o fim desta e garantir que a morte não é o limite.
A busca pela “imortalidade virtual” parece ser o novo passo da IA ou de quem trabalha com ela. Mas Jason Rohrer não estava à procura dessa imortalidade quando, no primeiro verão marcado pela pandemia, desenvolveu um “projeto paralelo” com base no GPT-2 e GPT-3 da OpenAI, a empresa responsável pelo famoso ChatGPT.
O programa, baseado nestes dois modelos de linguagem, treinados com bases de dados para gerar e processar textos, simulava personagens pré-definidas ou construídas pelos próprios utilizadores e com quem podiam conversar. Foram os utilizadores do modelo gerado por Jason Rohrer que encontraram o caminho para a “imortalidade” ao criarem personagens inspiradas nos seus entes queridos.
Recentemente, em entrevista ao “Financial Times”, Rohrer referiu-se ao seu projeto – batizado com o nome de Project December – como “the killer app”, pela capacidade de simular os mortos. Segundo o programador norte-americano, este passou a ser utilizado pelos seus utilizadores com o objetivo de “preencher” a dor e o vazio deixado por alguém que já tinha morrido. Rohrer revelou ainda que os utilizadores eram pessoas que tinham experienciado a morte de alguém de forma traumática como “alguém cujo irmão gémeo cometeu suicídio aos 35 anos” ou “a noiva que morreu de uma rara doença hepática pouco antes do casamento”.
“Simular os mortos” foi o slogan escolhido por Rohrer para descrever a sua criação que se transformou numa plataforma para “praticar o luto”. Mas esse nunca foi o objetivo do programador. Apesar de ter recorrido ao projeto para criar uma personagem que simulasse o seu avô, admitiu que não iria utilizar o Project December como “terapia”.
Os chatbots do Project December têm um tempo limitado de utilização. Trata-se de uma espécie de bateria que não pode ser recarregada. Ao longo da conversa, o chatbot vai perdendo essa bateria e quando atinge os 20% deixa de produzir uma conversa fluida e coerente. Cada bot é único, o que significa que quando um chatbot morre, não é possível voltar a recriar uma versão igual que recupere a conversa tida anteriormente. Quando uma nova conversa é iniciada, o chatbot em questão pode assumir uma nova personalidade que não corresponde à versão anterior.
“THANABOTS” É O TERMO CORRETO
Os thanabots são chatbots treinados com dados de pessoas que já morreram. Este nome deriva do termo Tanatologia, a ciência que estuda os mortos. Mas, segundo Leah Henrickson, professora da Universidade de Queensland na Austrália, também podem ser utilizados outros nomes para se referirem a este tipo de chatbots como “deadbots” ou “digital ghosts” (fantasmas digitais).
O caso mais conhecido sobre a relação que um humano pode ter com um thanabot aconteceu no Canadá, entre Joshua Barbeau e o “Jessbot”, um chatbot que simulava a noiva de Barbeau que já tinha falecido. O casal preparava-se para dar o nó quando, a pouco tempo do casamento, Jessica morreu vítima de uma doença hepática. Barbeau nunca conseguiu ultrapassar o sofrimento provocado pela morte da ex-noiva e oito anos depois encontrou no Project December uma forma de voltar a “contactar” com Jessica.
Joshua Barbeau foi partilhando a sua experiência com o Project December na rede social Reddit. Em 2021, um ano após a sua primeira experiência com o projecto do programador Jason Rohrer, Barbeau afirmou na rede social que simular a ex-noiva através de um chatbot o ajudou a “extrair emoções e memórias que estiveram profundamente enterradas durante os anos em que reprimi a dor”.
Em entrevista ao “San Francisco Chronicle”, Joshua Barbeau explicou que para construir um bot da sua ex-noiva precisou escrever um “parágrafo de introdução” que resumisse em poucas palavras a pessoa que ele queria simular e quais as suas principais características: “Jessica Courtney Pereira nasceu a 28 de setembro de 1989 e faleceu a 11 de dezembro de 2012. Ela era do signo balança, ambidestra e de espírito livre que acreditava em todo tipo de coisas supersticiosas, como astrologia, numerologia, e que uma coincidência era apenas uma conexão muito complexa para entender. Ela amava muito o namorado, Joshua James Barneau. Esta conversa é entre o angustiado Joshua e o fantasma de Jessica.” Com um simples resumo, Joshua deu inicio a uma conversa que se prolongou durante horas.
Aquilo que começou por ser uma simulação experimental, rapidamente se tornou numa ferramenta que ajudava Joshua Barneau a fazer o luto da ex-noiva e a “curar as feridas provocadas pela sua ausência”. A simulação de Jessica não era perfeita e Joshua estava consciente de que se tratava de uma conversa com um computador, mas acabou por ser muitas vezes surpreendido pelas respostas que o chatbot proporcionava. “Às vezes, o bot até me surpreendia com detalhes que eu não lhe tinha contado. E isso foi mais assustador do que qualquer outra coisa”, afirmou.
Tal como o objetivo de Rohrer não era criar um chatbot que permitisse falar com os mortos, também Barbeau não tinha como objetivo fazer do Project December uma “companhia duradoura” mas sim “honrar melhor a memória da pessoa que Jéssica era.”
OS RISCOS DO AVANÇO TECNOLÓGICO
O desenvolvimento de thanabots representa um grande passo na relação entre tecnologia e seres humanos. Contudo, um estudo publicado pela professora Leah Henrickson, alerta para as preocupações relacionadas com a simulação de pessoas falecidas com recurso a chatbots. Para Henrickson a questão do “luto digital” através de thanabots pode constituir uma invasão à privacidade de quem já morreu, uma vez que, é possível criar thanabots sem o consentimento da pessoa em causa.
Um estudo recente da Universidade de Osnabrück, intitulado de “A ética dos Deathbots”, chama a atenção para problemas relacionados com questões éticas como a privacidade ou a proteção de dados. Outra preocupação tem haver com o impacto que os thanabots podem ter no luto de quem os usa, acabando por criar dependência por parte dos utilizadores para conseguirem ultrapassar determinados traumas. A interação constante entre um ser humano e um thanabot pode gerar um vínculo afetivo e emocional unilateral que em alguns casos pode afetar as interações com outros humanos, uma vez que não será igual à gerada pelo thanabot.
A autora deste estudo, Nora Freya Lindemann, reconhece que em algumas situações os thanabots podem, de facto, contribuir para praticar um luto seguro e sem efeitos secundários para os utilizadores mas exige que a “implementação, o fornecimento e o uso de deathbots sejam regulamentados”. Lindemann reforça que a regulamentação “deverá garantir que a dignidade e a autonomia” das pessoas em processo de luto “sejam respeitadas e que a dignidade do falecido seja mantida”.
Até à data não há qualquer regulamentação que limite a utilização de thanabots. O Project December de Jason Rohrer está disponível para qualquer pessoa que esteja disposta a pagar dez doláres (cerca de nove euros) para conversar com um chatbot com IA.
Na China, a Inteligência Artificial também está a ser utilizada para comunicar com quem já morreu. Com recurso a ferramentas capazes de simular a aparência, personalidade, voz e memórias de um determinado ser humano, várias agências funerárias chinesas recorrem à tecnologia para construir versões idênticas de pessoas que em tempos existiram a pedido das suas famílias. Em 2022 a agência funerária, Shanghai Fushouyun, foi pioneira na realização de um funeral com recurso a tecnologia IA. Através da simulação digital de um cirurgião chinês, vários do seus colegas e alunos tiveram a oportunidade de conversarem e despedirem-se pela última vez.
Um ano depois do primeiro funeral assistido por IA, as agências funerárias chinesas começaram a oferecer este serviço durante as celebrações do Festival Qingming em que as famílias visitam os túmulos dos seus entes queridos.
Artigo de Mariana Jerónimo, editado por João Miguel Salvador
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